FAQ: sobre pâtisserie, estudar na França e a Ferrandi
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Resolvi escrever este artigo pra tentar ajudar as várias pessoas que sempre me escrevem com perguntas sobre estudar pâtisserie, estudar na França e mesmo sobre a escola Ferrandi. Pois bem, vou tentar explicar tudo aqui pra quem tiver esse interesse. Tive muitas dúvidas antes de ir e pouca gente pra me ajudar, então lá vamos nós:
\\ estudando pâtisserie
A pâtisserie, antes de mais nada, não pode necessariamente ser traduzida como confeitaria aqui. A pâtisserie é algo super super super francês, e envolve, necessariamente, os doces feitos numa pâtisserie clássica. Ou seja, você não vai aprender a fazer cheesecake, brownie, brigadeiro, cupcakes e por aí vai. Outra coisa: Não vamos a escola aprender receitas, e sim técnicas. Fazemos receitas lá pra aprender essas técnicas e depois poder aplicar por aí. Mesmo que eu já fosse confeiteiro amador antes, a escola melhora MUITO o que você sabe fazer e ao menos pra mim que só fazia bolos e afins com ajuda de receitas. Hoje sei criar do zero novas receitas porque você aprende a pensar e criar a partir das técnicas. Se você gosta de fazer isso como hobby, a escola não é pra você. Pâtisserie não é um mundo glamouroso. É um trabalho que você levanta 4 da manhã como um padeiro e que trabalha inclusive sábado e domingo. Eu como estagiário trabalhava cerca de 50 horas semanais numa pâtisserie. E é necessário muito esforço: você descarrega caixas de frutas, carrega sacos enormes de açúcar e farinha e a princípio faz preparações mais simples como o creme de confeiteiro. Pode parecer uma coisa artesanal quando você visita pâtisseries na França, mas não é. Dentro de uma cozinha o trabalho é quase em série e em pâtisseries grandes como a Ladurée, Angelina, Fauchon o trabalho é verdadeiramente em uma fábrica, não cozinha. Ou seja, se você quiser mesmo estudar pâtisserie, esteja preparado pra isso tudo, não é nada como fazer bolos e brigadeiros em casa.
//// estudando em Paris
Se você tem certeza de que quer fazer isso e está preparado pra investir seu tempo e dinheiro, estudar na França é sim algo excelente. Não posso falar das escolas no Brasil pois não conheço nenhuma e não tenho qualquer tipo de referência. Mas pense também que muita coisa que você vai aprender lá não vai ser necessariamente usado aqui, pois os doces precisam ser adaptados ao nosso clima, ingredientes, etc. Pra alugar um apartamento você deve procurar bastante. É bem difícil encontrar alguma coisa em Paris com bom custo/benefício. A Ferrandi fica em um dos bairros mais nobres de Paris e aluguel nesse bairro é bem caro, do tipo um studio de 20m2 costuma ser cerca de 1200 euros por mês de aluguel. Quem alugou quarto em pensão lá perto pagava cerca de 700 euros por mês. Só que Paris tem um bom sistema de transporte público (tem metrô pra todo lado – você paga 63 euros por mês e pode usar o quanto quiser de metrô e ônibus) e, no meu caso, morei longe da escola mas achei bem tranquilo (e rápido) de chegar lá. Se você quer aluguel barato mesmo, só morando fora da cidade, pelos arredores. Você vai gastar mais tempo em condução mas você pode conseguir coisas como 200 euros por mês alugando um quarto.
\\ a Ferrandi
Todo mundo me pergunta porque escolhi a Ferrandi. Apesar de todo mundo conhecer o Le Cordon Bleu, tudo que li me dizia pra ir pra Ferrandi. E toda vez que pergunto a qualquer francês qual a melhor escola sempre me disseram que é lá. Digo isso em Paris, pois a escola conhecida como a melhor da França fica em Lyon, a Paul Bocuse. Existem várias outras escolas pela França, mas também não sei dar muita informação. O que mais me chamou a atenção na Ferrandi é que foi a única que me garantiu um estágio de 3 a 6 meses em qualquer pâtisserie da minha escolha em Paris. E isso sim vale muito. É lá que você pega experiência mesmo e aprende de fato a profissão. Todo mundo no geral prefere escolher as pâtisseries mais famosas, mas não se engane, pois nelas você não vai fazer mais que colocar macarons em caixas. É melhor pegar pâtisseries menos conhecidas, mas que ao menos você vai trabalhar efetivamente (mas há sempre quem queira estagiar na Ladurée só pra ter nome no curriculum). A Ferrandi proporciona sim uma experiência única: você tem um professor-chef que é quem dá as aulas de teoria de pâtisserie e as aulas práticas. A gente tem uma cozinha só pras duas turmas de pâtisserie pra estrangeiros (duas turmas de 12 alunos). No primeiro dia você recebe sua maleta de utensilios e descarrega numa das geladeiras (cada um tem uma geladeira só dele e de algum outro aluno da outra turma). Aquela cozinha fica pelo semestre só pra gente, e é super bem equipada e novinha (ao contrário de muitas outras cozinhas da própria escola). Além das aulas de pâtisserie, que consomem cerca de 6 horas teóricas semanais e 25 horas semanais de prática, temos aulas de boulangerie (padaria), harmonização de vinhos, artes (pra gente ir pegando o jeito pra decoração e pra esculturas de chocolate), história da pâtisserie, francês e também uma pequena parte de salgados e canapés pra festa (que eles chamam de traiteur, não de buffet como a gente!).
Sobre falar francês: apesar de a escola dizer que você não precisa saber nada de francês pra ir estudar lá, não caia nessa. Temos somente 2 horas de aula de francês por semana, é muito pouco. Isso porque você já vai estar morando na cidade e ninguém vai falar inglês com você no supermercado, no banco e nos outros lugares que você precisa ir quando se vive na cidade. Dentro da escola a gente fala em inglês, mas no estágio você precisa saber francês. Não é necessário ser fluente em francês, mas sugiro que você vá pelo menos com o nivel básico, como eu fui. Quem não tinha nem o básico teve muita dificuldade o ano todo.
A Ferrandi como qualquer escola, tem suas falhas, mas não me arrependo de tê-la escolhido. Os professores são ótimos – não se engane com escolas que oferecem MOFs (Meilleur Ouvrier de France – é uma premiação que dão pra um pâtissier excepcional um por ano – e eles continuam conhecidos como MOF pro resto da vida, tipo o MOF do ano 2001 e por aí vai). Os MOFs são bons professores no que diz respeito a esculturas de açúcar, chocolate. A não ser que você queira realmente virar artista, eles não são necessariamente bons professores. Eles usam o título pra dar o destaque, mas meu professor que menos gostei na Ferrandi era um MOF. Os que mais gostei não, pois tinham melhor didática e me pareciam saber mesmo da profissão (os MOFs que conheci além de tudo ainda tinham um ego gigante).
Além disso, como experiência, a gente faz algumas pequenas viagens (todas incluídas – de passagens de trem a estadia em hotéis – no que você paga pela escola). conhecemos um moinho de trigo no campo. Conhecemos também o Rungis (maior mercado do mundo). Visitamos champagne e pra mim, a mais importante: a viagem do fim do curso, onde fomos pra Alsace e lá tirei proveito de várias histórias de pessoas que trabalham há anos na profissão, e conheci muita coisa da pâtisserie antes não conhecida. Dentro do preço da escola também está incluído o almoço no refeitório da escola, de segunda à sexta.
No geral achei que valeu meu investimento na Ferrandi, mas tive colegas que não acharam o mesmo. Sempre aprendi com meu pai que quem faz um bom profissional é a gente mesmo, não a escola. E é por isso mesmo que eu extraí o que foi melhor da experiência da Ferrandi a meu próprio favor e aprendi muito estando lá.
www.ferrandi-paris.fr
//// o estágio
Vá preparado… O que ouvi de histórias de colegas… Eu trabalhei numa cozinha em que todo mundo me respeitava, mas nem sempre é assim. Os franceses são ‘sexuais’ por assim dizer e o pessoal que trabalha em cozinhas lá geralmente é louco. Digo isso em restaurantes, hotéis ou pâtisseries. Já ouvi histórias de gente que abaixa as calças na cozinha, de colega minha que ganhou um vibrador de presente do chef e por aí vai. Não que eles vão te assediar, isso não ouvi nenhum caso, mas as cozinhas lá são verdadeiras zonas e você pode esperar de tudo. Só não se assuste, faça seu trabalho, e mesmo sendo estagiário se imponha sempre como alguém que quer aprender e que não gosta desse tipo de brincadeiras. Mas não sei se dou conta de pensar em voltar a trabalhar dentro de uma cozinha que não seja minha na França.
O estágio normalmente é remunerado. De acordo com as leis francesas, se o estágio excede 3 meses eles devem te pagar. Não sei bem como funciona, mas pra gente era cerca de 400 euros por mês. Mas tem lugares que se recusam a pagar. Não foi meu caso. E tem lugares que fazem contratos de 2 meses pra não ter que pagar estagiários (Pierre Hermé e Pâtisserie de Rêves são assim). Não pense que vão te contratar ao final do estágio, isso é raro de acontecer. Aconteceu somente com uma das minhas colegas. Mesmo assim o governo francês não tem concedido visto de trabalho. Além disso o trabalho é pesado e muita gente que já está na área de trabalho há muitos anos ganha geralmente um salário mínimo por mês (que na França atualmente é 1337,70 euros se não me engano), ou seja, não é das profissões mais bem remuneradas em Paris.
\\ o processo de admissão na Ferrandi
Muita gente me pergunta isso. Não é difícil entrar na Ferrandi. Eles analisam sua lettre de motivation pois escolhem pessoas que realmente querem estudar e investir seu tempo lá. Eles são claros: você não vai ter muito tempo de fazer turismo durante o curso (são cerca de 12 horas de aula por dia, cinco dias da semana e você ainda tem deveres pra fazer em casa e tal) e repreendem quem não se dedica e que mata aula (e ai de você se chegar 1 minuto que seja atrasado em aula!). E digo isso de se dedicar também porque o nosso chef (o meu era o Didier Averty) só vai te colocar numa boa pâtisserie se você também é um bom e dedicado profissional. O que achei bacana é que todo mundo era super dedicado no curso, e todo mundo sabe que uma turma dedicada ajuda muito na sua própria formação individual. O que eu sinto que eles olham é isso mesmo, se na sua carta eles acham que você tem chances de ser um bom profissional que vai carregar o nome da escola depois. São 24 vagas por semestre e não acho que chega a dar tanto aluno por vaga não. Só capriche na sua carta de motivação mesmo e boa sorte. Não é preciso experiência NENHUMA em cozinha e nem na lingua francesa pra ser admitido na Ferrandi, como muitos me perguntam. Não foi o meu caso, mas foi o caso de quase todo mundo da minha turma. Na minha época eu estava em contato com a Stephanie, mas sei que ela saiu da escola. Mas eles sempre tiraram minhas dúvidas e respondiam meus e-mails prontamente. Todas as minhas dúvidas que eu tinha antes perguntei lá. Sei que é melhor perguntar a alguém que estudou, mas a escola ajuda bastante também. Ajuda inclusive com processo de visto e dicas pra arranjar lugar pra morar.
//// o visto
Não sei nem começar a falar aqui o quão complicado foi tirar o visto de estudante, mas no fundo sempre deu certo pra todo mundo que conheço. Me deram listas de documentos errados duas vezes, tirei documentos que não precisava e por aí vai… Me receberam bem no consulado aqui em BH, mas pra quem é daqui precisa passar por uma etapa no RJ e a mulher que atende lá é das pessoas mais grossas que já vi na vida. Mas como eu disse, é um processo longo mas no fundo se você vai gastar seu dinheiro estudando na França e tem tudo organizadinho, você deve conseguir sem problemas no fim. Faça isso com tempo, o meu demorou quase dois meses o processo todo. Na verdade, ir estudar no exterior exige tempo de preparo. Faça suas planilhas de gastos, arranje um apartamento estando aqui, nem que seja provisório pelos primeiros 2 – 3 meses. Não dá pra decidir ir e querer que seja pra daqui um mês. O processo todo desde a admissão é de uns 4, 5 meses até que você comece. Mas comecei a me organizar com um ano de antecedência (mesmo assim meu visto chegou 3 dias antes que eu embarcasse pra França).
Bom, não sei se tirei todas as dúvidas, mas no geral é isso. Sei que costumo demorar um pouco pra responder os e-mails que recebo, mas sempre respondo! Um abraço e se for isso mesmo que você quer, boa sorte e bom proveito!
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