carta amarela #75 – a tal da felicidade – parte II
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Belo Horizonte, 13 de fevereiro de 2014
Queridos amigos,
Dia desses me perguntei porque eu gosto tanto do projeto Humans of New York. Não sou só eu, mas milhões de pessoas por aí. É que ali a gente vê pessoas verdadeiramente humanas. O que elas pensam, suas feridas, seus calos formados na vida e suas alegrias também. É simples, é tocante e certeiro.
Parei pra pensar também como seriam as redes sociais dessas mesmas pessoas que estão tão vulneráveis ali. Acho que não seria algo tão natural quanto o que vemos. Tem uma adolescente que está ali dizendo tentar ficar calma ao ver todas as amigas entrando em boas faculdades e ela não. Tenho certeza que no facebook dela, ela “pensa” e mostra outra coisa. Paro pra pensar qual a razão de querermos passar um mundo todo lindo pras outras pessoas. Seja a selfie de quando você está maquiado, arrumado ou bonito (que imagino, as pessoas tiram umas 30 fotos pra escolher uma). Sejam os posts direto da praia ou da cerveja do bar. Sejam os pequenos textos em facebook ou twitter se gabando de algo que fez.
Lembrei muito de um projeto pessoal que fiz em 2012. Levei um pé na bunda horrível de um francês no meio daquele ano, e quis procurar entender um pouco mais da cultura gay francesa e como eles agiam nos relacionamentos. Entrevistei mais de 60 pessoas, que conheci na rua, no grindr, até amigos, amigos de amigos. Foi um processo revelador pra mim. Porque só aí descobri que eu não podia rotular os franceses, ou os gays, ou os franceses gays por causa de uma única experiência: cada pessoa é, de fato, uma pessoa diferente. Cada um de nós lida com as coisas da sua forma, e talvez essa seja uma grande beleza do mundo. Dessas entrevistas escrevi um livro, que eu disse aqui em 2012 que eu achava que nunca seria publicado.
Ontem li uma entrevista bem interessante no blog da contente. Ela bate direitinho com um receio que tive lá em agosto do ano passado das pessoas entenderem errado umas palavras que eu disse numa entrevista. As pessoas tem essa ilusão de que fazer o que ama vai deixá-las completamente felizes, mas não é bem por aí. Hoje sou sim muito mais feliz do que eu era na minha antiga profissão, mas isso não significa que não é também um trabalho pesado. Tenho visto bastante o caso da minha amiga blogueira. Todo mundo acha que a vida dela é só de sonhos, pois ela ganha muita coisa, viaja muito. Mas gente, é um trabalho também. Que ela faz feliz, mas já pararam pra pensar que ela precisa trabalhar mesmo quando tira férias? Que ela escreve praticamente todos os dias da vida e precisa responder comentários e postar coisas nas redes sociais? Que quando ela tem viagens pagas, mesmo que sejam pro caribe, ela precisa passar horas daqueles dias lindos por lá enfurnada num computador produzindo material, já que é uma viagem de trabalho? É muito fácil também julgar um ator que ganha milhões por filme. Já pararam pra pensar o quanto é chato ter que fazer milhares de entrevistas falando as mesmas coisas over and over sobre um mesmo filme? Passar frio ou calor em filmagens, filmar de madrugada, usar roupas desconfortáveis de época. Todo mundo sempre coloca um certo tipo de glamour em algumas profissões e as acham plenas de felicidade por causa de, voltamos ao assunto lá de cima, aparências.
Acho que uma das razões pra tanta infelicidade também é que as pessoas amam idolatrar o passado como se ele tivesse sido o melhor tempo. Mas quando estamos no presente, estamos aqui dizendo o quanto tudo está ruim, e ele vai ser o passado um dia – que a gente subitamente vai esquecer o que foi ruim e dizer que eram tempos melhores tudo outra vez. Finalmente, glorificamos o futuro, colocando eternas esperanças de um futuro melhor. Grandes expectativas costumam gerar frustrações ao não serem cumpridas como imaginamos.
Já tentei reinventar minha carreira de várias formas possíveis. Posso dizer claramente que não tenho uma resposta sobre como ser bem sucedido profissionalmente. Já li muito sobre tudo, já estudei de tudo e já ouvi muita gente dizer que eu tenho muito talento. Mas não, não me enriqueci (de dinheiro) com todas essas experiências que vivi nos últimos anos, desde que perdi meu emprego estável. Mas enriqueci consideravelmente de outras formas.
Eu aprendi, como quem busca um grande amor, que a busca é sempre válida. Das minhas muitas tentativas eu sempre pautei por partir de um ponto único: algo extremamente pessoal pra mim. Comecei a cozinhar porque é algo que amo. Comecei a desenhar por ser algo que amo. Comecei a escrever porque tinha inúmeras inquietações agarradas na garganta. Busco das minhas próprias inquietações sobre o mundo o ponto de partida pra tudo o que tento na vida. E talvez por isso eu me sinta uma pessoa feliz, mesmo quando me frustro com algo que dá errado. Foi ali, no meu sofrimento de um rompimento que fiz um dos trabalhos mais gratificantes pra mim, que foi descobrir muito mais da vida através de vários outros olhos. Mesmo que eu não tenha ganhado um centavo com isso. Talvez você pense: Ele tem a vida ganha já. Não é isso. Trabalhei muito pra poder aproveitar o ano que passei em Paris. E ao voltar comecei tudo de novo, trabalhando arduamente pra poder ter condições de fazer outras coisas que gostaria na vida também. O que busco hoje é conseguir um equilíbrio entre o que gosto de fazer, o que me dá dinheiro pra viver, o que me cansa e consome com o que me faz ter brilho nos olhos sempre. Ainda não consegui – prefiro passar o tempo fazendo coisas pro blog do que fazendo os mesmos bolos dia após dia pra vender – mas não me canso de buscar esse equilíbrio.
O que existe aqui dentro do meu coração é um grande encantamento pela própria vida, por um dia a dia que precisa ser mais que rotina. Por um querer incessante de ver coisas novas. De conhecer mais os outros. De aprender muito, muito. Por uma vida cada vez mais simples e também mais leve. Preciso terminar essa carta da mesma forma que terminei a parte I da carta:
A vida só gosta de quem gosta dela.
Um grande abraço, de um humano de Belo Horizonte,
Gui
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