carta amarela #6 – comer, beber, viver

Paris, 11 de março de 2012

Queridos amigos,

Essa semana um grupo de brasileiros passou pela minha sala, durante uma visita à minha escola. Meu professor logo gritou: ‘GUI-LHÊR-MÊ!’ pra indicar que eu poderia responder algumas perguntas que eles quisessem fazer. Alguns foram sensatos e me perguntaram coisas relacionadas à escola e ao curso, mas alguns começaram a perguntar: “Qual seu time de futebol: cruzeiro ou atlético?”, “por que você veio pra Paris?”, “você é rico?”, “deixou namorada no Brasil?”.

Eu fiquei muito incomodado com essas perguntas, e segundo meus colegas, deu pra ver como meu humor mudou um pouco depois disso. A questão nem era que ‘brasileiro é assim mesmo’, mas como as pessoas em geral são curiosas e interessadas na vida alheia! Não consigo entender o que iria acrescentar pra vida daquelas pessoas saber detalhes da minha vida como aqueles e não outros pertinentes ao meu curso.

E isso me fez pensar no quanto as pessoas perdem tempo lendo revistas de celebridades, assistindo programas como o BBB. Não quero julgar ninguém aqui, porque é claro que perco meu tempo com muita coisa inútil, e por isso mesmo tenho tentado mudar minha vida depois que vim pra Paris. Cortei pela metade as séries de TV que assisto e mal tenho feito algo que amo, que é ir ao cinema.

Sempre me recordo com afeto do meu pai, que senta toda noite de fim-de-semana na varanda de casa com um copo de cerveja e fica ali, muitas vezes sozinho, olhando as estrelas. E tem horas que penso que eu poderia estar fazendo alguma coisa parecida. Tenho tentado cozinhar mais (sem ser a trabalho!), instagramar menos, encontrar mais os amigos. Fazer jantares, sair pra andar no Marais, no Jardin des Tuilleries. Dar doces. Dou vários doces que faço pra vizinhos, amigos, amigos de amigos… Quer melhor forma de distribuir o afeto?

Nessa hora, sempre me recordo com afeto também da minha vó Pipida. A casa dela vivia cheia de gente. Era um tantão de doce de leite em pedaços, pães de queijo quentinhos, roscas de leite condensado e muita conversa. Ontem fiz pão de queijo improvisado aqui, sentei com 4 amigas da escola e ficamos ali comendo, bebendo caipirinhas e passamos boa parte da noite conversando. Eu não preciso saber a idade delas. Não preciso saber quantos namorados cada uma teve. Não quero sabe se os vizinhos delas são idiotas. Quero saber é das histórias incríveis que cada uma já viveu na vida. Histórias que me fazem rir, me tocam, me fazem querer novos desafios.

As pessoas são carregadas de valores diferentes, cada uma a seu gosto e desgosto. Umas agradando e outras nem ligando. Umas preocupadas e algumas despojadas. O segredo é ser você. Ok, frase balela. Mas quando você se interessa numa conversa consigo mesmo tudo muda. Você descobre um mundo de afinidades e infinidades. Você passa a ser notado, respeitado e admirado. Desperta dispersões. E tambem a inveja. Mas não se preocupe com ela.

A inveja nada mais é que uma aliada, pois você não seria invejado se não fosse respeitado. Afinal, as únicas pessoas não-invejáveis são as medíocres.

Beijos de quem ainda quer comer, beber e viver mais,

Gui

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  • isabelle auzou diz:

    gui do you have any more photos of us eating? I want them haha! xx

  • Maria diz:

    Lindo texto !!! Vendo essas fotos fico a me perguntar. Quando você vai postar uma receita de pão de queijo ?!

    • gpoulain diz:

      Maria, assim que eu puder fazer um pão de queijo de verdade! Tenho uma receita maravilhosa que era da minha avó (até citei ela no texto), mas aqui só consegui comprar preparado de pão de queijo. Gostaria de fazer pra fotografar e aí sim colocar.

  • Brittany diz:

    I love it! Yum, your dinner was amazing! I can’t wait for Mexican at my apartment this weekend!

  • Tatiana diz:

    Lindo, lindo, lindo. Como as palavras têm o poder de traduzir sentimentos comuns a pessoas que nem se conhecem…

  • Ontem tive um dia de comer, beber e viver mais, rs. Tinha tempo que não me dava a esse prazer, ainda mais com gente boa, inteligente e amiga do lado :)

    E, só pra dizer: meu coração (e olho) gordo ficou dividido entre os doces e a comidinha bem brasileira lá de cima #comoescolher, rs

  • João diz:

    Belo post. Eu só acho que nesse quesito de sair mais com amigos, sentar e beber, me encontro engatinhando. Engatinhando pelo fato de não ter amigos disponíveis. Não é algo que encaro como a pior coisa do mundo, mas também não é saudável, confesso. Bem, mesmo sozinho há infinitas coisas a serem feitas, não é mesmo? Desligar a tv e catar um livro na estante, sair sozinho pra visitar uma exposição, ir ao cinema. E sempre que faço contato com alguém é bem por aí, me interesso pelas histórias e não pelos detalhes. Mas não é todo mundo que pensa assim, a maioria ainda é do tipo que relaciona os anos vividos ao número de acontecimentos possíveis. “Um cara novo como você não deve ter nada na cabeça.” Bobagem. Quantos caras de vinte anos já não viveram mais que caras de trinta?

    • gpoulain diz:

      pois é. eu tenho um pouco de dificuldade em viver sozinho, mas tô me virando. tenho essa mania de fazer muitos amigos, de uns anos pra cá. e também acho bobagem. tenho certeza que eu já vivi nos eus 26 anos muito mais coisa que muito homem com o dobro da minha idade. o post é bem isso: vamos parar de julgar as pessoas pelo pouco que sabemos dela e vamos aproveitar o que elas tem de bom pra te dar nessa convivência?

  • Roberta diz:

    Como é bom poder aprender a cada dia, nunca se fechar às novas idéias e, mesmo assim, lembrar-se que os velhos hábitos (e os hábitos dos velhos) podem e devem servir de inspiração para uma mudança pessoal. Obrigada por essas sempre lindas cartas amarelas. :)

    • gpoulain diz:

      já dizia Mick Jagger que os velhos hábitos demorar a morrer. e é assim, mas acho que a gente tem que tentar. é tanto preconceito e coisas ultrapassadas que só nos fazem mal… não precisa agradecer pelas cartas, eu é que fico feliz em obter respostas por elas, assim com a sua resposta. beijo.

  • diz:

    Gui, seus textos como sempre me encantando…
    hoje me tocaram de uma forma especial. Obrigada por compartilhar seus pensamentos e encher de afeto a nossa vida.
    Espero que Paris esteja sendo tudo de melhor q vc possa sonhar.
    Beijos

  • Rê Motteran diz:

    Nossa, a gente se sente um E.T., né? E povo que mal te conhece, mas pq vc é brasileiro tb, já vem perguntando quanto você ganha, etc…? Ódio…
    É, adoro conhecer gente. Mas amigo a gente não faz assim. Como disse Oscar Wilde, escolho amigos pelo brilho nos olhos. :)
    Sempre aqui lendo seus textos. Sucesso nas receitas e na vida francesa, Gui!

  • Julia diz:

    Gui, adoro as suas cartas,entendo o que você quis dizer, de uns anos pra cá venho prestando muita atenção pra me cercar cada vez mais de pessoas com o coração puro e que se interessem pela pessoa que sou, ao invés do que tenho ou com quantas pessoas estive. E faz muito bem pra gente! adoro o blog!bjuss

  • Gabrielle Evaristo diz:

    Olá!
    Bem, estou aqui pra elogiar a ti por escrever tão bem, de uma forma que me cativa, que me faz querer ficar o dia inteiro lendo seus textos, vendo suas lindas receitas e observando suas conquistas. Sou da áera de moda, diferente de ti, mas gosto muito de ficar aqui sabe, me sinto bem com seu jeito de falar e escrever!
    Enfim, mesmo sem te conhecer, desejo a tí os mais sinceros votos de felicidae e sucesso.

    Grande Abraço,
    Gabrielle.

    • gpoulain diz:

      fico super feliz em ler isso! acho que a gente sempre tem sentimentos em comum com outras pessoas e fico feliz em saber que não sou o único a pensar dessa forma. obrigado!

  • You’re the best host! Dinner was delicious and the company was fantastic! Can’t wait to have you over to my house for an american dinner. xoxo

  • Daniele de Carvalho diz:

    Sabe, sinto exatamente o que você falou no post quando leio o que você escreve. Que você sabe tornar uma história ou receita especiais mesmo sem precisar devessar a sua vida pessoal. Gosto muito do blog e especialmente desta seção.

    • gpoulain diz:

      sempre tenho receio de falar demais. acho que tudo o que escrevo acaba sendo bem íntimo, são sentimentos, mas sem contar os passos da minha vida. fico com receio de ninguém querer ler, mas acho que muita gente compartilha de sentimentos afins de vez em quando né?

  • Marina Rosa diz:

    Gui, suas cartas amarelas me fazem sentir como se eu estivesse conversando com um bom e velho amigo, me identifico muito com seus textos! Sempre muito sinceros e, ao mesmo tempo, muito educados (poucas pessoas sabem que se pode unir ambas características), seus textos mostram que você é uma pessoa de muitos valores e conseguem retratar uma realidade rotineira. É impressionante como existem pessoas tão desnecessárias nessa vida, não é mesmo? Sou arquiteta e minha rotina é super estressante, convivo com pessoas que parecem não fazer questão em ser educadas ou, até mesmo, éticas. Estou sentindo necessidade em fazer o que o seu pai faz há um bom tempo, mas.. eis uma coisa que eu ainda não consegui: tempo. Admiro você pelos seus valores, seus textos e por ter se dado ao prazer de, simplesmente, viver mais!! Me inspirei e vou tentar fazer o mesmo, com sorte, ainda esse final de semana.. Afinal, é isso que a gente leva, não é? :)

    • gpoulain diz:

      Sim, não vale ser sincero agredindo as pessoas né?
      Tente fazer o mesmo! Não é que eu tenha conseguido… Mas é algo que a gente conquista aos poucos mesmo, se esforçando! Um grande abraço!

  • Lydia diz:

    Sou muito sua fã. De coração.
    Concordo com o que vc diz, que as pessoas têm que se preocupar menos com a vida dos outros.. Mas já parou pra pensar que às vezes despertamos interesse? Interesse de todas as maneiras. Eu gosto de saber da vida das pessoas, de ouvir, de parar pra refletir.. Acho que não há melhor presente que a troca: de experiências, de informações.. De afeto! Não pensa só dessa maneira invasiva, tá? Dá pra perceber o tanto que você olha pra vida de um jeito bonito e especial.. Não se deixa envolver por clichês também. Eu aprendi a separar perguntas curiosas de interesseiras (aquelas que não prestam pra nada). A vida se torna mais tranquila quando a gente baixa a guarda também! 😉
    Boa sorte em Paris! Porque até em Paris a gente tem que ter sorte..

    Beijo grande!

  • janaina diz:

    concordo demais com o texto, maaas não ir ao cinema em paris é um pecado! é um programa muito parisiense, delicioso!
    não sei a quantas anda o seu frânces, mas se for o caso existem salas que exibem filmes franceses com legenda em francês.. é bom pra treinar o ouvido, especialmente pq nos filmes eles falam mto rápido, às vezes é difícil de acompanhar…

    • gpoulain diz:

      eu AMO ir ao cinema, e já fui aqui duas vezes. mas é que tenho poucas horas livres, acabo preferindo fazer alguma coisa ao ar livre. sempre penso: assistirei aos filmes quando eu voltar ao Brasil, é meio isso.

  • Januária Geraci diz:

    Adoro o seu blog e sua paixão pela cozinha.
    Tenho uma vontade muito grande de cursar gastronomia, mas tenho medo de não dar certo… Aqui no Brasil a coisa parece ser meio difícil…
    Mas enfim, muito sucesso e continue nos deliciando com o blog!

    Abraço

    • gpoulain diz:

      bom, acho que cursar gastronomia e trabalhar com isso é difícil em qualquer lugar do mundo. muita gente tem a paixão pela cozinha, mas daí a trabalhar com isso não é pra qualquer um. muita gente desiste do curso na metade quando se dá conta disso. se você acha que quer isso vá em frente, mas se acha que prefere cozinhar nas horas vagas, contente-se em fazer cursos pequenos, são ótimos e a gente aprende bastante!

      obrigado e continuarei! :)

  • Ana Lúcia. diz:

    Gui, já não me importo com esses tipos de perguntas, digamos, fora de contexto. É um ensaio para a paciência…
    Vejamos o outro lado,o dos brasileiros: deparam com um moço bonito, alto, magro, mineirinho, na França fazendo um curso de gastronomia… Uai, Gui, o mínimo que querem é destrinchar, arrancar tudo que podem dessa figura singular que está na frente deles.. O curso fica em segundo plano, não é não? Pense nisso… Há tempos tento levar os incovenientes com mais leveza, mas na hora dá vontade de deixá-los falando sozinhos mesmo!!
    Tenha um ótimo dia!!
    Ana..

  • Estou feliz ao ler seus textos…
    Seu Avô (Leopoldo) escrevia muito bem….
    Não é só na aparencia q. V. se identifica com Ele….alma tambem…

    Saudades ..muitas saudades…da vovó

    Tereza
    saudades dos quitutes tambem…
    26/02/2012

  • Vc me fez lembrar meus avós mineiros, pessoas simples de gosto simples que conseguiram manter a família toda torno deles toda a vida. Conversas boas e muita troca de afeto, fosse na cozinha regada a biscoito de polvilho e doce de leite de tacho, fosse na varanda observando as estrelas da roça. Quando a gente sai do Brasil, a primeira coisa que bate é essa distância do estrangeiro, o respeito pela privacidade, a amizade que nunca é instantânea. Mas dá pra perceber também o quanto essa nossa necessidade de intimidade é invasiva. A receita perfeita, pra mim, está no meio termo. :)

  • Suely diz:

    Guilherme
    Tava lendo seus posts quando cheguei nesse e tive que comentar, primeiro porque meu marido faz igual seu avô, fim de semana senta na varanda com a cervejinha e fica olhando as estrelas, sozinho, horas a fio, depois porque detesto as pessoas que querem saber tudo da vida dos outros e na maioria das vezes só pra criticar, fofoca envelhece, rsrs…
    Amei seu blog, suas histórias, suas fotos maravilhosas cheias de criatividade e suas receitas que estou doidinha pra fazer, as mais fáceis claro…
    Ahh minha mãe era mineira, ótima cozinha, uma pessoa incrível.
    Vou continuar lendo…
    Beijão e sucesso.

  • […] Eu tinha acabado de completar um mês aqui e as maiores dificuldades foram passando. A primavera vinha chegando, eu começava a formar verdadeiras amizades e a pensar sobre como a vida é sim, boa.  [a carta você lê aqui] […]

  • […] gente me pergunta a tão falada receita de pão de queijo da minha vó Pipida (já falei sobre ele aqui, aqui e aqui!). Posso até dar, mas, por experiência própria, eu mesmo não consigo fazer a […]

  • Lembro do meu pai me chamando na janela todas as noites, apontando o céu e mostrando o avião que a gente ouvia passar lá em cima. Eu era criança, e por muitos anos foi assim. Eu cresci, ele adoeceu, a mudança do aeroporto para mais longe da cidade deixou pouquíssimo do espaço áereo sobre minha casa como rota dos poucos aviões que passam por aqui. E não foi que uma surpreendente curiosidade dele pela vida alheia aproximou a gente? Big Dad Brasil, é o nome de uma crônica que nunca publiquei, mas escrevi pra ele. :)

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