carta amarela #5 – a ilusória, a real e a falta

Paris, 4 de março de 2012

Queridos amigos,

Hoje faz um mês que estou aqui. E preciso confessar: nem tudo é tão sonho quanto a gente sempre imagina. Os problemas vem, surgem. As dificuldades culturais acontecem também. Não perdôo o certo ‘blasesismo’ francês. Mas acontece. Quero culpar Woody Allen por fazer a gente sonhar com a ‘Paris de meia noite em Paris’. A gente chega aqui querendo ser o novo Hemingway. Queria, às vezes, esquecer a vida simplesmente contemplando o Rio Sena. Queria ver o desabrochar da primavera após uma das noites de tanto vento e chuvinha fina. Tudo parece correr. O tempo passa correndo, pelas ruas, como o coelho da Alice. O gato sorri, e você se vê completamente perdido em ideias e sonhos.

Paris realmente fede. Não necessariamente a cidade, mas as pessoas. E nem acho que o caso seja a falta de banho. Dia desses fui ao supermercado comprar desodorante e me deparei com uma inscrição de todo tamanho: ‘dura 96 horas ininterruptas’. Se alguém algum dia conhecer alguém que sobreviveu a quatro dias (as tais 96 horas) caóticos e corridos sem passar de novo um desodorante e não ficar com mal odor que me avise! Os franceses certamente não sobrevivem a isso (nem no inverno).

É realmente normal assoar o nariz em público. Todo mundo faz isso, incluindo na cozinha. Mas não é só isso. Não basta assoar o nariz. Tem que fazer um barulhão, guardar o lencinho sujo no bolso e voltar a fazer a mesma coisa 5 minutos depois. Aí depois a gente encontra uns japoneses no metrô usando dessas máscaras de médico e consegue entender o porque daquilo.

Mas não quero deixar registrado aqui como um post de reclamações. Eu só queria mesmo falar algumas curiosidades e observações minhas e lembrar sempre de fazer aquele ‘reality check’. Mas tenho encarado qualquer adversidade com a melhor reação do mundo. ‘Estou em Paris’, digo pra mim mesmo, abro um sorriso e vou fazer ou ver algo que gosto. E acho que é melhor assim.

A saudade. Cada dia aperta mais. É um mês, mas vivi tanta coisa que sinto que estou aqui há pelo menos uns três meses. Já conheci pessoas incríveis que foram embora. Já vivi ver gente chegando a passeio e indo embora. Já vivi ver gente pelo skype e ter a vontade enorme de abraçar essas pessoas.

Idiota seria eu falar que gosto de alguém igual eu gosto de amarelo.

Gostar de amarelo, gostar de pão de queijo, gostar de viajar, tudo isso é meio inexplicável. Gosto porque é lindo, gosto porque é gostoso… Oras, algo de bom há de ser explicado!

Mas das pessoas, de algumas daqui, das que tenho no Brasil… Ah. Dessas eu sei explicar, perfeitamente. Eu não gosto porque gosto. Eu gosto porque elas são genuinamente maravilhosas. Meus amigos são únicos. Lindos. Geniais. Cativantes. Doces. Porque ó, se você é parte da minha vida, é porque escolhi bem escolhido viu?

Um abraço saudoso, de quem passa o desodorante de 96 horas 3 vezes por dia.

Gui

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  • Sarah diz:

    <3
    Saudades, lindeza.
    aproveita muito e volta logo (aqui a gente é cheirosinho)
    Beijocas
    Sarah

  • tarte tout chocolat.

    (lembra quando vc postou?)

    São pequenos amargos que por fim trazem equilíbrio a certos doces ao serem saboreados.

    Essa é a sensação de ler esta carta. De ser transportado para Paris e sentir um pouco de tudo que vc disse. E aí lembrar desta receita, pois acho que tudo isso faz parte do equilíbrio de que nem sempre tudo é tão doce, mas não deixa de ser gostoso: as adversidades sendo transpostas, a saudade que aperta mas também reconforta .

    Não sou parte do hall dos amigos sortudos que te conheceram e nem tenho lembranças belas para reviver mas, ah!como não ler te deixar passar a chance de dizer: obrigado por compartilhar. do açúcar e do limão. das receitas maravilhosas que fizeram muitos dos meus amigos sorrirem (e vibrarem quando aprendi). da vida que passa. da arte de moldar afeto.

  • Nicole diz:

    Lindas palavras …
    Gui quando começei a ler seu blog, você fazia parte dos blogs que eu mais amava pois todos os dias tinha Post novo; Enfim você mudou para bem longe, e pensei ( agora LASCOU) não via ter post todos os dias :(
    Mas pensei e resolvi o problema, agora me seguro e fico 3 dias sem vim e o mais gostoso é quando entro aqui adoro ficar algumas horinhas lendo tudo o que você escreve.

    ADORO Gui . (Meigooo)

  • Érika diz:

    Adorei seu post. De alguma forma, ouço vc contando isso, e ouvir vc dá saudade.
    Aos poucos suas fotos vão mudando aí. De vez em qdo posta a gente, pra não esquecer…
    O tempo passa rápido. Pense qtas vezes vc foi ali e logo logo teve que voltar. Ou qtas vezes ficou e, qdo assutou, o tempo já tinha passado.
    Saudade é bom, pq lembra a gente das coisas boas do coração, das pessoas de se ter no coração. Mas viver novas experiências é sempre muito melhor.
    Concentre-se em aproveitar e ser feliz. Tô sempre torcendo por vc.
    Beijos saudosos

  • Thaís Rodrigues diz:

    #cartaamarelaforever

  • Gostei muito de ler esse post, pois estou passando por um momento parecido. Mas não em uma cidade luz, estou no inverno escuro da Noruega e lá fora o vento está uivando mais que tudo. Morar fora do Brasil é uma experiência incrível, mas que vem junto com um monte de coisas chatinhas. De longe tudo é mais bonito, mas cada cidade tem seus problemas.
    Dizem que brasileiro é que toma muito banho, mas não dá pra imaginar o contrário. Para os europeus isso é super normal. Eu consigo imaginar ser normal no tempo das cavernas sem aquecimento interno nas cavernas, eu mesmo não teria coragem de sair ao relento e tomar banho na cachoeira congelada. Mas hoje em dia…
    Curiosidade: em norueguês sábado se fala Lørdag, que significa “Dia do banho”.
    Ah! escovar os dentes também não é comum pra eles. Um amigo falou que perguntaram pra ele se ele tinha algum problema, pq escovava os dentes depois do almoço.

    • gpoulain diz:

      Oi! Acabei dando uma lidinha no seu blog! Pois é, concordo com as coisas que disse e achei super curioso o que você disse sobre o que significa o nome do sábado aí. Passando mais frio que eu né? Tô sentindo bem a falta de um calorzinho…

  • Gabriela diz:

    (pausa para uma reflexão…) rsrs.
    Seu texto me encheu os olhos, é tanta coisa que vemos, lemos, e esperamos que seja, aí alguém (que esta em parís) diz como é mais ou menos o cotidiano… não encarei como reclamação, e sim como observações mesmo, como até disse depois, um choque de realidade porque a gente acaba sempre sonhando mesmo com París e as inúmeras coisas que oferece, as belezas, o que você já sabe que imaginamos, porém nem tudo é um mar de rosa, né. E isso é em todo lugar. Mas você faz o certo, levanta a cabeça e pensa Estou em París, fazendo um curso que vai te agregar muita coisa, e conhecer lugares, conviver com outras pessoas é muito importante, pra um crescimento interno, nosso. Se aprende muita coisa até mesmo quando estamos achando que está sendo em vão. E tudo são histórias, coisas pra contar e que faz a vida valer mais caro, e não passar sem bagagem nenhuma.

    Cê me deu um choque de realidade, viu. Tive uns 3 segundos de pânico, hahahahaha. Mas ainda sim, fico com o sonho de ver pessoas indo e vindo, mas desse lugar aí, e se não for pra ficar, que eu volte podendo dizer (pra mim mesmo) que já tive a oportunidade de ir.

    teu blog e tudo o que faz por aqui, molda mesmo, um afeto muito grande, desses que a gente come sem medo de comer por sentir que tem muito carinho.

    • gpoulain diz:

      acho que Paris tem que ser vivida, independente dos problemas e coisas ruins. isso tem em todo lugar. mas tem que ir atrás dos sonhos, com essa pontinha de realidade. :)

  • Tenho a impressão que a chegada da primavera vai te fazer um bem imenso, chérie… O momento mais difícil é esse que vc passou, o choque mesmo, e com o sol chegando e vc se acostumando, criando seus hábitos parisienses e recebendo ainda mais gente, a vida vai ser mais amarela.
    Chorei baldes no avião ontem, voltando pra casa… Muita coisa muda na gente quando a gnt passa um tempo longe de casa, mesmo sendo 30 dias só, mesmo sendo férias… E lidar com mudança é difícil, né?
    Eu falei no nosso abraço de despedida, mas falo de novo: volta, tá? Pode demorar, mas volta.

  • Carolina diz:

    Ei Guilherme!
    Acabei “caindo” no seu blog sem querer e os poucos (três) posts que li já foram suficientes para eu me identificar com você.
    Morei em Paris por quase um ano. Com um detalhe: morar em Paris era o meu sonho desde os 8 anos de idade!
    Enfim, nesse um ano também me chateei com o odor parisiense (você está reclamando no inverno! Espera chegar o verão para ver o desespero que é o metrô!), com a magreza das francesas (e olha que eu também sou magrinha, mas nada se compara…), com os dias cinzentos, com a dificuldade em conseguir um apartamento dentre tantas outras coisas!
    O choque de realidade aconteceu bem rápido comigo. Mesmo assim, nada se compara ao prazer de morar em Paris…de levar uma vida tipicamente parisiense. Tanto é verdade que a parte mais difícil do meu intercâmbio foi sem sombra de dúvidas voltar e me adaptar à realidade belo horizontina-brasileira.
    Pelo que pude perceber, você está no momento clássico de começar a sofrer bastante com as saudades e ao mesmo tempo curtir as novidades.
    Calma, o verão irá chegar e com ele um bom humor incrível (e inexplicável) tomará conta dos parisienses e – acredite se quiser – de você também!
    Bom, se precisar de dicas ou qualquer outra coisa, conte comigo. Eu provavelmente entenderei o que você está passando e por mais que pareça estranho, já que não nos conhecemos, brasileiro quando está no exterior e encontra algum outro brasileiro sente na hora a obrigação de ajudar o outro. Foi mais ou menos assim que me senti ao ler seus desabafos.
    Abs.

    • gpoulain diz:

      nossa Carolina, super me identifiquei com o que você falou!
      estou bem assim mesmo. completo dois meses aqui semana que vem. ao mesmo tempo que muita coisa é maravilhosa muita coisa chateia bastante. mas a mudança de clima já me deu um novo humor. obrigado pelo comentário!

      • Stefan diz:

        A Carolina adorou a surpresa (no snap e com o presente)! Parabéns pelo Livro, esta dando uma saudade muito gostosa da França!

        • gpoulain gpoulain diz:

          oi Stefan! que bom que ela gostou! fiquei feliz de ter conhecido você e a história de vocês dois! um grande abraço!

  • Só pra dizer que escolher bem escolhido é uma das melhores – e simples – formas que eu poderia definir os meus também.

    E que, bem, meus desodorantes são 48h, mas as três vezes que passo por dia contam quase como seis. :)

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