carta amarela #65 – reflexos

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Belo Horizonte, 10 de outubro de 2013

Queridos amigos,

Dia desses comecei a reparar uma certa constância nas minhas fotos: Prender momentos por aí na rua de casais. Peguei um beijo escondido por uma beira de escada. Um outro em um banco num terraço. Um casal de mãos dadas pela rua. O outro se abraçando num desses abraços sem fim. E finalmente um partilhando o mesmo guarda chuva, enquanto finas gotas frias caíam do céu.

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Lembrei-me de quando meu pai sofreu um acidente e quebrou a perna. Minha mãe e eu nos revezávamos pra dar banho, pra ajudá-lo a se vestir. Minha mãe passou a dirigir o carro todas as vezes, eu sempre sobrava com o peso de compras de supermercado, malas e afins que precisassem ser carregadas na casa. Gosto de fazer disso uma analogia: somos todos um pouco quebrados por dentro, além das nossas próprias imperfeições. E que sim, dependemos dos outros. Não são remédios que me curam quando estou triste ou ansioso. É um abraço, uma palavra amiga.

Sei que sou imperfeito e incompleto. Tinha a mania de querer ser independente pra tudo. “Não preciso de ninguém”, já cheguei a dizer. Descobri que estava na mente com o pensamento individualista tão vigente no mundo. E junto a esse individualismo vem também o egoísmo. Paramos de olhar o outro ao nosso lado e olhamos sempre pro nosso umbigo. Mesmo ao escolher uma pessoa para amar. A gente escolhe aquele que nos agrada, não é? Não necessariamente aquele que nos completa, por assim dizer. Se a gente concorda com o que a pessoa fala, adoramos. Se a aparência nos agrada, queremos estar perto. Se a pessoa se comporta como esperamos que faça, comemoramos. Gostamos se ela faz algo por nós. Se tem a mesma linha de pensamentos que a gente então… Dizemos que são inteligentes. Fica claro que ali estamos olhando pra nós mesmos e não para o outro. E é aí que vem a grande dificuldade das relações, por esperar que a pessoa seja um reflexo do que a gente é. Quão narcisista é isso?

Não falo aqui que temos que procurar pessoas opostas a nós. Mas aprender a escutar, a ver as diferenças e tentar com que aquilo nos agregue. Deixar de procurar a si mesmo nos outros pra ver o outro.

A pior parte talvez sejam os preconceitos que temos. Quantas vezes ouço falar: “Essa mulher não serve, olha como ela se veste como uma periguete!”. Você acha que ela não serve porque todo mundo diz isso. Olha aí: É um pensamento da outra pessoa em você, impedindo de conversar com alguém pelo simples fato de que ela veste uma roupa que as outras pessoas vão pensar que ela não é uma mulher “direita”. Esse preconceitos nos impedem que tenhamos nossa própria opinião das coisas. 

E nessas crises acabamos com relacionamentos. Por achar a pessoa grudenta demais ou de menos. Por não querer demonstrar seus sentimentos. Por se achar sempre certo e a pessoa errada. Por julgar coisas que a pessoa faz porque outros disseram que está errado. E nisso a gente perde a chance de conhecer quem está ali ao seu lado. Que pode ou não te completar. Pra terminar gritando nas redes sociais que é forever alone. Talvez por isso eu goste tanto de fotografar os momentos de amor que vejo por aí. São mãos dadas, delicados beijos, puxar o outro pra baixo do guarda-chuva. É um pequeno mostrar que você se importa. E que a gente precisa sim de outra pessoa na nossa vida. Mas só conseguimos ter pessoas na vida se a gente abre mão ao menos de um pouquinho desse tanto de individualismo, egoísmo e desses preconceitos tão cruéis em nossas mentes.

Um beijo com um pouquinho menos de amor próprio,

Gui

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