carta amarela #60 – em urgência da não urgência
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Moeda, 21 de julho de 2013
Queridos amigos,
Dia desses alguém me escreveu perguntando sobre estudar em Paris. Passaram-se 24 horas e eu ainda não havia respondido. Ele me escreveu outro e-mail: “Não vai me responder? É urgente! Já estou em Paris e preciso saber onde estudar por 1 a 2 dias aqui”. Honestamente? Tive vontade de não responder. Tenho certeza que ele deve ter planejado essa viagem meses antes. Precisava me escrever tão em cima da hora? E mais, eu estava prestando um favor em respondê-lo. Respondi, educadamente, a meu tempo. E não ganhei nenhuma resposta, nem um obrigado. Vai ver ele já nem estava mais em Paris, pois na urgência das pessoas em conhecer o mundo planejamos viagens em que passamos por 5, 6, 7 cidades em 15 dias. E aproveitamos realmente muito pouco de cada uma.
Num outro dia estava no cinema. Um amigo ligou. Uma. Duas. Três. SETE vezes. Só retornei ao sair do cinema. E levei uma resposta: “Porque não me atendeu antes? Era urgente! Precisava saber como fazer pra cozinhar aspargos frescos.” Respondi calmamente, mas pensei: Não bastava jogar essa informação no google? E eu mesmo respondi, em minha mente, essa pergunta: Não, era mais fácil apertar umas duas teclas do celular e me ligar. Eu não tenho problema nenhum em responder, mas não vou sair da sala do cinema no meio do filme pra atender telefonema algum. Nem os verdadeiramente urgentes, pois quando entro ali, é com a vontade de ficar umas 2 horas desligado do mundo.
Fato é que a necessidade da urgência pra muitos invadiu os limites de respeito aos outros. Hoje em dia com os smartphones você em teoria tem contato com outras pessoas 24 horas por dia 7 dias da semana. Mas eu me pergunto: E o meu próprio tempo?
Esse celular constantemente ligado não deixa de ser uma autoafirmação de importância. Como se o mundo não pudesse viver um segundo sem mim. E isso, a meu ver, é triste. A pessoa nunca está cem por cento ali. Não se dedica tanto àquelas pessoas que está convivendo no momento, seja um encontro amoroso, entre amigos ou mesmo profissional. É interessante: você ali, com o celular ligado, pertence ao mundo. Mas não pertence a si mesmo.
Tem horas que me sinto com a sensação de viver num reality show. Mandam-me mensagens no facebook, que avisam se eu já li ou não. Perdi o direito de ler e poder responder quando quiser, afinal, já viram que eu li. A todos os lugares, câmeras. Não só as de vigilância. Beyoncé dia desses ficou brava com um fã que estava lá na frente filmando o show, ao invés de aproveitar. É a urgência de mostrar aos outros o que viveu, ao invés de ir lá e viver.
E aí vem outra coisa triste: Se você, digamos, viu Scarlett Johansson na rua e não tirou foto ou filmou, pronto: É como se você não a tivesse visto. Se você contar, é como se fosse uma mentira. Cadê a prova? E aí me pergunto de novo: Não estaria você invadindo o próprio espaço e tempo dela?
Outro dia também ouvi um grupo de homens contar um pro outro quanto tempo gastam pra ir de carro de uma cidade a outra. O que fazia em menos tempo impressionava ou outros: “Só isso? Mas você corre demais! Impressionante.” Impressionante pra mim é a capacidade das pessoas em por risco à própria vida pra chegar 15 minutos antes em um lugar. E vai fazer o que com esse tempo livre? Provavelmente entrar em alguma rede social pelo celular. Ou ligar a TV. E olham pras placas de velocidade da estrada como se elas existissem ali somente como um empecilho, e não como uma medida pra evitar acidentes. Afinal, os otários são aqueles que respeitam os limites. Tempo é dinheiro? Pra mim, tempo é vida.
A sociedade se modernizou sim, mas é preciso resgatar os conceitos de respeito, de espaço, de tempo. Isso sim, pra mim, é caso de urgência.
Um abraço muito tranquilo, daqueles que demoram vários minutos.
Gui
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