carta amarela #41 – com açúcar, com afeto

Paris, 19 de novembro de 2012

Queridos amigos,

Se tem alguém que sempre me inspirou na cozinha, esse alguém foi minha vó Pipida. Lembro-me sempre com carinho dela passando horas na cozinha. Foi com ela que aprendi a cozinhar frango. Era ela quem usava colheres de pau e tachos de cobre pra fazer os melhores doces. Com ela aprendi a comer abóbora, e mais, amar doce de abóbora. Doce de leite em pedaços, desses que derretiam na boca. E guardo, com a letrinha dela, a receita do melhor pão de queijo do mundo. O pão de queijo da vovó Pipida. Que eu tento fazer de tempos em tempos, e nunca sai igual.

Dia desses me emocionei com o e-mail de uma leitora e amiga, a Maria de Menicucci. Com dificuldades de realizar uma receita de sua também falecida bisavó. Um bolo de natal. Entre várias mensagens trocadas, tentei ajudar como pude a fazê-la ‘entrar’ na receita e conseguir fazer que ela funcionasse. Lembrei-me muito mais dos ensinamentos da minha avó do que aqueles aprendidos no curso de pâtisserie. De como ela só assava seus quitutes em forno elétrico (onde você conesgue ajustar a temperatura de verdade e o bolo cozinha de forma homogênea). E entre várias mensagens trocadas com a Maria, recebi a seguinte mensagem:

“Fiz 3 bolos na sexta-feira, um grande e dois pequenos. Deu medinho porque o bolo demorou mais tempo para assar do que eu esperava, 1 hora e 20 minutos, e foi ficando marrom, quase da cor de queimado. Mas felizmente deu certo, não queimou!

Eu peguei o bolo grande, e quando fui para um lugar olhar umas coisas enquanto o bolo esfriava, e voltei, estava faltando um pedaço dele! Era o meu pai comilão que toda hora voltava para pegar um pedaço. O problema desse bolo é que TEM que guardar antes de abrir para comer! O meu pai comendo o bolo e reclamou: “aaah, o bolo está duro!!! Por quê está duro??” Eu: “claro, ele acabou de sair do forno, todo bolo sai duro!”. Mesmo ele reclamando, continuou roubando mais pedaços do bolo. Tive de embrulhar o bolo e esconder por causa do apressadinho! O pequeno eu levei para minha tiavó provar, nossa, quase deu briga porque era bem pequeno! Ficou delicioso.

O mais legal é que a minha professora de culinária descobriu a origem desse bolo que todo mundo pensava ser alemão, ele veio da Ilha da Madeira, Portugal. É um bolo de natal tradicional da região, ele é feito sempre no dia 8 de dezembro, dia da Nossa Senhora e guardam para abrir no natal. E vi que tem gente que guarda o bolo por até um ano para abrir no próximo natal, este detalhe eu não tenho coragem não!!! Pesquisei no google sobre esta ilha, vi que antigamente era um lugar famoso pela produção de cana de açúcar e faziam melado. Aí fez sentido do porquê do bolo ter melado e rapadura (lá usam açúcar mascavo). E o bolo tem dois nomes: Bolo da Ilha da Madeira e Bolo da Família, tudo a ver com natal né?? Vou fazer até um mini guia-curiosidade para colocar dentro do bolo.

Eu parti o bolo grande ao meio ontem só para ver a textura do meio para ver se não ficou cru, aparentemente não ficou, mas foi difícil não conseguir arrancar mais um pedaço para comer! Êeee gula!”

E a gente se pega livre em histórias, em delícias. As receitas vão virando heranças, histórias, parte da família. Se minha avó me deixou uma herança foi a de cozinhar. Com sorriso, com açúcar, com afeto.

Beijos de quem nunca vai conseguir fazer o melhor pão de queijo do mundo, porque esse só a vó Pipida conseguia fazer,

Gui

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