carta amarela #35 – place des vosges

Paris, 27 de setembro de 2012

Queridos amigos,

Atravessei toda a Rue du Chemin Vert pensando no quanto eu estava perdido naquele momento. A conversa que tivera com meu pai um dia antes me afetara o suficiente pra saber menos ainda o que fazer. O sol demorava a sair por entre as nuvens. Um vento gélido batia em meu rosto enquanto eu prosseguia pelo caminho.

Foi então que cheguei à Place des Vosges. O sol, agora descoberto, mas ao mesmo tempo quase se pondo, pareceu iluminar quase toda a extensão da praça. A grama, ainda bem verde, estava coberta de vários jovens e alguns casais. Era fim de tarde e todo mundo parecia aproveitar isso. Alguns velhinhos sentados nuns dos muitos bancos em volta da praça. As árvores com as folhas ligeiramente vermelhas demonstravam que o outono havia começado ali. Dei uma volta em busca dele, mas não o vi. Alguns turistas tiravam fotos em frente a estátua central. Sentei-me na grama. Resolvi esticar as pernas e acabei por recostar todo o meu corpo, a olhar o céu. Senti no rosto e nas mãos o bater de gotinhas de água. O vento forte as trazia de uma das fontes da praça.

Sorri, a olhar os formatos das nuvens. Não consegui ver nitidamente nada nelas. Lembro-me de sentir o meu pé direito tocado por um leve chute. Ele havia chegado.

Deu-me um beijo, um sorriso caloroso e sentou-se ao meu lado, pegando a minha mão esquerda. Vestia uma camisa verde, xadrez. A calça de veludo caramelo que eu sempre achei tão linda. Meias em amarelo gema de ovo e um sapato marrom, tão calejado com o tempo quanto os sapatos gastos de muitos parisienses que vejo pelo metrô.

Olhou pra mim e percebeu minhas olheiras. Perguntou como eu estava. Pediu desculpas pelo sumiço do fim de semana.

A luz não poderia estar mais perfeita. Através dela, eu o via. Ele, contra a luz. A via passando pelas suas orelhas, os cabelos loiros ainda mais reluzentes. Não conseguia ver seus olhos.

“Eu te amo” – me disse. “Mas não estou pronto pra um relacionamento, agora.”

Não consegui olhar nos olhos dele. Olhei para o lado, ainda deitado. As pessoas passavam. As árvores sacolejavam com o vento. E eu não sabia o que dizer. No meu primeiro suspiro de choro, Jessie Ware começou a tocar em minha mente: “Eu estive olhando muito para você”.

Não tinha necessidade que eu me virasse e olhasse de novo. Mas eu quis. E o vi chorando. Sentei-me e inexplicavelmente senti que precisava o consolar. Não consegui dizer nada. Não consegui realmente chorar. Não queria, enfim, chorar. Abracei-o e olhei para o céu, com o queixo recostado em seus ombros. Ele tremia.

O sol já tinha quase ido embora, e o frio me invadia, dentro e fora. Os olhares, as poucas falas, os abraços, tudo parecia perfeitamente articulado. Sempre tivemos dessas coisas.

Balbuciei: “Não estou pronto pra deixar de te amar”.

E ele me beijou. Não consegui abrir a boca. Ficamos ali naquele momento, pela primeira vez sem saber o que fazer um com o outro. Me convidou pra um chá e talvez um doce. “Preciso ir pra casa”, disse sem hesitar. Dei um beijo na bochecha dele e me levantei.

“Posso te ver…”

Não consegui ouvir o resto da frase que ele dizia. Já havia colocado meus fones, virado as costas e ligado Jessie Ware, aumentando gradualmente o volume. Desci pela beirada do Sena, passando pela Pont-Neuf. Ainda via um raio de luz no céu. O vento batia no meu rosto cada vez com mais força. Encostei na beirada da ponte e liguei Lost Someone da Cat Power. E ali sim me entreguei às lágrimas. As árvores continuaram balançando com o vento. A noite caiu. As pessoas continuaram passando apressadas. E ouvi Chan Marshall dizendo em sua voz levemente rouca: “Eu perdi alguém”.

Um abraço apertado,

Gui

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