carta amarela #78 – ciclos
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Belo Horizonte, 25 de março de 2014
Queridos amigos,
Eu fico muito muito feliz com o carinho enorme que recebo aqui. Acho que assim como gentileza gera gentileza, afeto também gera afeto.
Esse blog nasceu de uma vontade infinita de poder compartilhar receitas, dizeres, sonhos, afetos. Eu tinha uma pequena fábrica de massas frescas em BH, e era minha forma singela de divulgar meu trabalho. Então nunca pude dizer que o blog era só um hobby. Até diminuí a frequência em escrever enquanto morei em Paris, e pensei em pará-lo. Acabou virando um ponto onde eu contava muitas das minhas experiências conhecendo o velho mundo, sempre tão novo pra mim. Foram assim que surgiram as cartas amarelas. Elas não surgiram, assim, do nada. Sempre fui de mandá-las a amigos há anos, mesmo que em intervalos muitas vezes esparsos.
Mas aí esse blog cresceu, cresceu. Eu não esperava muito esse crescimento. Ele tem uma visão um pouco restrita. Isso sempre foi claro pra mim. Eu não cozinho por cozinhar. Eu não consigo cozinhar sem música ou um pouco de diversão ao lado. Eu não consigo não fazer as coisas pensando no melhor delas. Eu falo de coisas que muitos não vão concordar também. Podem ser temas universais mas ele vem do fundo de uma pessoa. De mim. Eu não faço comidas de dietas, sempre me posicionei assim. Pra quem conhece o blog há menos tempo, eu só compartilho aqui receitas do meu dia a dia. É o que faço muitas vezes só pra eu comer. Faço pros meus amigos, faço pros meus pais e família. Eu não planejo uma receita só porque ela tem que ir pro blog. É simplesmente o que eu como. Talvez um dia vou postar só receitas de dieta. Pois talvez um dia um médico me mande parar de comer certas coisas. Talvez eu mesmo mude meus hábitos. A vida é assim, é feita de ciclos. Se o blog muda um pouco de vez em quando, isso também é reflexo da minha vida. Algumas coisas que postei aqui há mais de 3 anos talvez não sejam mais parte do que penso ou faço, mas não consigo não pensar que preciso evoluir. Fico feliz com quem me acompanha, com quem gosta. Sei que tem muitos blogs lindos por aí que vão ter receitas lights incríveis. Mas talvez por aqui que fiquem as receitas pra aquele dia especial. Um blog é um blog e se diferencia de um site pela maneira pessoal que ele é conduzido. Acho que a alma do moldando afeto é justamente a minha forma de ver a vida e minha forma de cozinhar. Não tenho a menor intenção de ser como os outros.
Hoje em dia não ganho dinheiro diretamente com o blog. Mas ganho indiretamente pois através dele ganhei vários clientes para os meus bolos. Ganhei contatos que me propiciam viver algumas coisas que gostaria. Mas também não estou fechado a propostas comerciais. Desde que elas estejam dentro do que for a essência daqui, do que falo e penso. Já recusei parceria com uma marca de chocolates que eu não gosto. Fiquei um pouco chateado com vários comentários na pesquisa de que o “blog virou comercial demais, que estou popularizando demais meu conteúdo”. Comercial onde? Cadê os anúncios? Popularizar onde? Não estou aqui continuando com minhas receitas gordinhas, sendo que hoje em dia o que o povo em sua maioria quer são receitas lights? Eu não consigo ver lógica em críticas assim. Tem gente que reclama a parceria com a Lu, que é isso que tornou comercial. Mas aí tenho dois pontos a dizer: Ela é minha amiga, a gente faz isso no maior clima de diversão. É uma delícia fazer O Chef e a Chata. Muita gente vivia me pedindo videos e eu mesmo adoraria fazer videos. Mas eles tem um custo um pouco alto pra ser feitos, e eu, como se pode ver, não tenho anúncios aqui e nem dinheiro pra poder bancar coisas assim. E foi, justamente por pedidos de videos aqui que achei que seria muito legal me juntar à uma pessoa querida que tem as condições de fazer isso pois ela sim tem todo um suporte pra isso.
Aproveito pra falar também sobre o meu livro ser independente. Cheguei a conversar com editoras, e uma delas que se interessou expressou que eu precisaria tirar as referências homossexuais do livro. Eu não consigo pensar em publicar um livro sobre minhas experiências e pensamentos na vida que não as tenha no meio. É parte da minha vida. Foi aí que percebi que seria um pouco difícil lançar um livro por uma editora, ao menos nas condições que encontrei ano passado: ele não ter a minha cara, ele não ser livre, sincero e do jeito que sou. Fazer um livro por conta própria tem dado um trabalhão desde junho passado. Reunir todo o material publicado, selecionar, agregar material novo que deixaria tudo ainda melhor. Editar esse texto todo, fazer todas as fotos. Ilustrar muitas receitas, escrever à mão muito da parte escrita do livro, ir atrás de fornecedores, reuniões com o designer (se eu fosse fazer tudo do projeto gráfico esse livro nunca ia sair, e quem o está fazendo é um amigo de muitos anos, o Italo do Estúdio Triciclo)… É um trabalho que nunca acaba. E que demanda muito dinheiro também. Foi nele que pensei em como eu podia responder uma solicitação de muita gente: As receitas ilustradas serão soltas, fora do livro. Serão colocadas em uma espécie de envelope que é parte da capa. Assim, quem as quiser no livro, estará sempre nesse envelope. Mas muita gente vai ter a oportunidade de poder emoldurar e pregá-las onde for. Detalhes como esse, na impressão, encarecem muito um projeto, e estou lutando para que o preço final do livro fique o mais justo possível, mas ele deve ter um valor parecido ao dos livros de culinária que vejo em livrarias, em torno de R$80,00 a R$90,00. Eu gostaria que o valor diminuísse, mas o preço unitário pra fazer cada livro desse tem passado os R$60,00. Claro, é uma tiragem baixa e com uma produção onde parte tem que ser produzida artesanalmente. Não tenho patrocínio, mas tenho tanta paixão pelo projeto que ela seguirá em frente como eu puder fazê-lo.
Vou continuar por aqui falando as coisas do meu coração. Tentando com bravura falar daquilo que tenho aprendido com a vida. Aprendi a querer menos. Já quis que as pessoas fossem mais gentis. Já quis que as ruas estivessem mais limpas. Já quis mais dias de sol. Já me frustrei por querer muito – e não fazer nada pra mudar isso. Então faço minha parte pra que as coisas sejam melhores – mas não espero que os outros o façam também. Dói menos. Aprendi a não estacionar. Quanto mais parado fico, menos objetivos consigo realizar. Aprendi a pedalar sem rodinhas. E nisso caí e quebrei o braço. E foi de braço quebrado que aprendi a andar de bicicleta. Não deveria ser assim, mas muitas vezes aprendo as coisas com a fratura ali, exposta. Aprendi que a vida precisa ser vivida com coragem, sempre.
Aprendi também que aprendo coisas novas todos os dias. E que ainda sei muito pouco. Mas desse muito pouco aprendi a fazer as coisas com afeto. E que assim, eu consigo seguir mais feliz. Eu não conheço ninguém que não erre na vida. Não sinto vergonha dos meus erros, a gente nunca vai aprender nada se não tentar. Sempre lembro do meu pai falando que ele já errou muito tentando me educar, mas que ele errou querendo o meu melhor. Não tenho dúvidas disso. Vou seguir fazendo o que sei fazer como sei fazer. Erros acontecem. E muitos acertos também. É com os erros e acertos que a gente chega lá. Por isso mesmo continuo tentando.
Um grande abraço, sem abarcar o mundo, mas mais consciente do meu próprio mundo,
Gui
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