carta amarela #76 – gentileza
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Belo Horizonte, 26 de fevereiro de 2014
Queridos amigos,
Saí de casa logo cedo. Na portaria, saindo de casa, cruzei com um vizinho. “Bom dia”, eu disse. Me olhou passando apressado e não respondeu. Cheguei ao supermercado. Peguei um carrinho para as compras. Logo ao entrar, duas senhoras com carrinhos parados atravancando o caminho enquanto escolhiam algo. Pedi licença, delicadamente. Uma só me olhou com o canto do olho. A outra empurrou meio emburrada o carrinho. Ao passar por ela, esbarrei um pouco em seu braço com o meu carrinho. Antes que eu pudesse pedir desculpas, soltou: “Olhe por onde anda!”. Fui até a seção de verduras. Um senhor escolhia cebolas e ia colocando todas as que ele considerava ruins em cima dos alhos, bagunçando toda a organização dali. Terminou de escolher as suas e largou tudo daquele jeito. Na parte dos enlatados vi uma moça pegando uma lata e derrubando algumas outras. Colocou a sua no carrinho e deixou as outras ali no chão mesmo. Passei por uma senhorinha que estava tendo uma dificuldade danada em alcançar um produto de limpeza numa prateleira mais acima. Ajudei-a, pegando e ela agradeceu, dizendo que os tempos são outros e que quase ninguém a ajuda mais como antigamente.
Parece pouco fazer pequenas gentilezas todos os dias. Mas não é. Faz a maior diferença. Parei pra pensar o quanto as pequenas gentilezas me fazem falta no dia a dia: Aquele bom dia dado com vontade ao cruzar alguém, com verdade nas palavras, sempre me faz abrir um sorriso. Pensei nos meus dias de bom humor, que foram felizes assim por ter sido bem recebido e servido por uma atendente de alguma loja, pelo cobrador do ônibus que ajudou a saber qual o ponto certo pra descer daquele ônibus. Pelo carro que parou na faixa de pedestre pra eu atravessar. E quando é o contrário? Fico sim de mal humor, mesmo que momentâneo quando alguém me dá uma reposta atravessada, quando alguém me faz de bobo furando meu lugar numa fila, e por aí vai. Parei pra pensar em quanto as gentilezas deixam meus dias melhores.
Algo que tenho reparado também é o quanto as pessoas estão descorteses na internet. Parecem que precisam ter opinião de tudo e falar sobre tudo. Vi um amigo colocar no facebook um video de uma música de uma cantora que gosta, pra virem comentários em baixo: “ela tá velha né?”, “já não consegue mais fazer música de sucesso”, “que video cafona”, entre outros. Imagino que o amigo postou feliz em compartilhar alguma coisa que ele gostava, mas as pessoas abaixo provavelmente só o fizeram grunhir de raiva do outro lado da tela. Se não gostou, dava pra passar sem comentar nada, não?
Dia desses uma leitora da Lu comentou que deveriam achar alguém pra me dublar nos vídeos de O Chef e a Chata, pois minha voz é horrível. Pensei no quanto isso me afetaria há alguns anos. Eu não tive grande mudança de voz, e aos 20 anos, muito incomodado com ela, procurei diversos médicos. Além da voz que me incomodava, eu ficava rouco com muita facilidade. Descobri que minha laringe não se desenvolveu tanto quanto o meu corpo, eu tinha uma laringe meio pequena pro meu tamanho, e que minhas cordas vocais também não funcionavam exatamente como tinha que ser. Passei 4 anos indo duas vezes por semana numa fonoaudióloga e fazendo inúmeros exercícios em casa pra hoje eu ter a voz que tenho e conseguir falar assim mesmo. Mas me doía muito quando me chamavam de “senhora” ao telefone. Hoje não me incomodo e fico grato por poder me comunicar, seja qual for minha voz. Mas aquela menina que fez o comentário sobre minha voz ser horrível não sabe o que já passei antes de dizer isso. A gente nunca sabe o que o outro está passando, né?
Lembrei-me do dia em que conheci meu namorado. Derrubaram cerveja no meu braço, no bar. Foi ele quem esticou um guardanapo pra me ajudar a limpar, sem ao menos me conhecer. Depois de conversar um pouco, disse que precisava achar seu amigo com quem estava ali, e eu ofereci pra ajudar, pedindo a descrição de como ele era. “Ele tem um desses sorrisos enormes”, foi o que ele me disse. Quando encontramos o amigo, olhei pra ele vi que ele tinha um desses sorrisos de alegrar qualquer um. Ele tinha também um nariz avantajado e estava em princípio de ficar careca. Mas ele não quis descrever o amigo pelos seus defeitos, como comumente fazemos. Quis falar do mais bonito que via ali.
Andamos tão apressados em tudo na vida que relevamos coisas que parecem pequenas frente à vida. Mas essas pequenas delicadezas fazem sim dias mais bonitos por aí. Além do que, já dizia o profeta: “gentileza gera gentileza”.
Um abraço, desses bem apertados de esquentar qualquer coração de gelo,
Gui
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