carta amarela #72 – o último bombom da caixa
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Moeda, 26 de janeiro de 2014
Queridos amigos,
Me lembro de quando minha mãe trabalhava num supermercado. Toda semana ela chegava em casa com uma caixa daqueles bombons sortidos, não importava a marca. Ela não me deixava comer tudo de uma vez, me dava um depois do almoço, outro depois do jantar. Nessas horas eu podia escolher, e claro, escolhia sempre os que eu mais gostava. Ela costumava colocar um na minha merendeira também, e sempre era uma surpresa pois ela colocava o primeiro que puxava da caixa. Mas nem sempre a surpresa era boa né? Eu nunca gostava quando vinha o bombom de banana ou o de amendoim. Eu ficava chateado e nunca comia. Não conseguia entender como eles não paravam de produzir os ruins deixando só os bons.
Até que um dia aprendi que sempre vai ter alguém que vai gostar justamente daquele bombom. Claro, todos amam os Sonhos de Valsa da vida, mas sempre tem alguém que gosta do de banana.
Tenho percebido ultimamente um grupo de amigos e amigas reclamando que não encontram alguém ideal. Mas aí penso nos bombons e lembro que sempre tem alguém ali. Fico pensando se na verdade a procura não está no lugar errado. Uma amiga disse que vai toda arrumada pros lugares de paquera. Mas normalmente quem vai pra noite assim, com álcool, música, só quer se divertir. Não tô falando que não haja exceções, mas ali geralmente não dá pra conversar direito e aí sim observar as afinidades, ter um querer mais do que o físico.
Sempre lembro da história dos meus pais. Meu pai namorava uma amiga da minha mãe. Eles saíam muito juntos. A namorada não gostava de dançar, mas minha mãe sim. Eles acabavam dançando juntos. Os dois se separaram e meus pais viraram amigos, com afinidades que nem minha mãe tinha com outros namorados que teve e vice-versa. Algum tempo se passou e resolveram namorar pra ver no que dava.
Na verdade acho que no fundo, a gente se interessa mesmo pra namorar só com aqueles que vão além da atração física. É o gostar do outro, ter coisas em comum – os opostos podem até se atrair num primeiro momento, mas quem fica junto de alguém que não quer fazer nada que você quer fazer na sua vida? Uma amiga ficou dois anos com um cara que era apaixonada. Mas ele queria ir acampar todo fim de semana. Ela não suportava pensar na falta de conforto e picada de insetos. Ele só ia em shows de metal e só ouvia esse tipo de música. Ela só gostava de música clássica e algumas eletrônicas. Ele queria viver a vida sem emprego fixo, rodando de mochila pelo mundo. Ela queria viajar muito, mas sempre ter uma casa pra voltar. Ele só queria ver filmes de terror ou ação. Ela romances. A paixão durou incríveis dois anos. Um dia ela percebeu que essa era a única coisa que os unia. O desamor já era tão grande que decidiram por e-mail que não precisavam ficar mais juntos.
Conheço casos de pessoas que se conheceram por aí. Gente que se encontrou manifestando na rua. Gente que se conheceu num encontro de amigos em comum. Gente que se conheceu trabalhando na mesma empresa. Gente que se conheceu – olha só – no grindr. Gente que se conheceu numa fila interminável de banco, onde acabaram batendo papo. Gente que se conheceu em discussões acaloradas em comunidades do orkut. O que tem tudo isso em comum? Ninguém planejou encontrar alguém ali. Simplesmente por uma ligação de pensamentos e sentimentos afins nasceu alguma coisa.
Estar aberto a conversar com pessoas, a olhar as coisas, a mudar um pouquinho da sua rotina. Ir na padaria por caminhos diferentes e ver, nem que seja, prédios novos que você nunca viu. Entender também que a solidão é importante pra gente se conhecer melhor. Acho que quando a gente está bem com a gente mesmo e quer descobrir o mundo a nossa volta, a gente fica mais apto a ter alguém do nosso lado. É meio piegas falar isso, mas seu amor pode ser aquele bombom de banana pros outros e pra você ele é o mais valioso da caixa. É alguém comum a quem partilhar dos momentos mais importantes da vida. Muito melhor do que desistir. Já aprendi que não se desiste, nunca nunca, dessas coisas que tornam a vida um lugar mais gostoso de viver.
Beijos de alguém sempre carente de tudo, mas muito contente com o que a vida dá.
Gui
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