carta amarela #71 – inteiro

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Belo Horizonte, 10 de janeiro de 2014

Queridos amigos,

Ontem vi boa parte das pessoas nas minhas redes sociais mostrando o line up de um grande festival de música, com ânsias de ir e tudo o mais. Fiquei pensando aqui sozinho em minhas experiências em festivais de música no geral. Nunca foram muito boas. Perdi um show porque queria ver outro ao mesmo tempo, vi muito mal algum show porque estava tentando chegar perto de um palco mas tinha milhares de pessoas na minha frente, passei raiva com banheiro, comida… E naquele show que eu mais queria ver e estava empolgadíssimo sempre tinha alguém do lado conversando qualquer coisa com alguém. Porque estavam ali perto do palco esperando o próximo show, não aquele, e claro, tirando muito da minha concentração e clima daquele show que eu tanto queria ver. Então pensei: Não, eu não gostaria de ir nesse festival. Nada contra quem vai ou quer ir, mas não é pra mim. Eu adoro ir a shows de um artista só, ali, com todo mundo querendo ver aquilo, geralmente com menos pessoas e em lugares menores. Todas as minhas experiências assim foram incrivelmente superiores.

Na verdade essa ânsia por esses festivais pra mim mostra algo que eu estou fugindo: o tal do “viver tudo de uma vez”. É aquele querer viajar a Europa e conhecer uns 6 países, mesmo que isso signifique passar 2, 3 dias em cada um. Parece que é só pra contar que conheceu mais um tanto dos N países que tem pra conhecer no mundo. E na verdade não conheceu nada, né? Via vários turistas em Paris se orgulhando que viram a Torre Eiffel, o Louvre, o d’Orsay tudo somente num dia e eu só consigo pensar: mas gente, não viram NADA! Das minhas viagens, conheço poucos países, mas faço questão de a cada viagem ir desbravando um pouco mais do país em si, afinal falar que conhece a França por ter passado uns dias em Paris não é conhecer a França. E há tanto pra se ver! E talvez por isso essa ansiedade toda.

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Nossa geração vive num mundo de ansiedade, é o tal do que todo mundo quer ser: multitarefas. É conseguir ver TV enquanto estuda, ouvir música enquanto lê… E não faz nada direito. Vi dia desses o desejo que uma pessoa incrível que conheci ano passado fez pro 2014 dela: ela não quer ser multitarefas, quer se sentir inteira. Isso me tocou tanto! É isso que eu queria pra mim também. Não quero estar num almoço com alguém teclando no telefone com outra pessoa. Não quero cozinhar deixando as panelas no fogo pra aproveitar o tempo pra fazer outra coisa e assim perder os pontos de cozimento das minhas comidas. Não quero estar onde estou pensando em estar em outro lugar. Nem fazendo uma coisa pensando em como eu queria estar fazendo outra coisa. Quero dar atenção a tudo o que faço, a todos com quem esteja. Quantas vezes escuto amigos dizer que compraram um livro novo e nunca terminaram de ler o que estava na cabeceira? E assim a gente empilha um livro no outro, uma pessoa na outra, um show no outro…

Tudo bem, você vai dizer: a vida é curta. Mas ficarei feliz quando morrer mesmo sem ter conhecido o mundo todo, sem ter ido a todos os shows que gostaria. Mas feliz em ter feito com consciência e por inteiro o que me propus a fazer. É isso. Quero viver uma coisa de cada vez. Pois são as coisas vividas com consciência e por inteiro as que perduram.

Um abraço tentando não abraçar o mundo de uma só vez,

Gui

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  • eu também sou assim, meu histórico de shows e festivais gigantes é bem curtinha e eu me sentia um ET por isso. bom saber que não sou a única 😉

  • Rogéria diz:

    Incrível!
    Bj

  • Anita diz:

    Gui, gosto tanto de ler suas cartas!
    Queria te dar um abraço apertado agora.. Me emocionei!
    Bjos carinhosos

  • Patty diz:

    Nossa ,otimo texto!
    conheci o blog por indicaçao da lu, do chata de galocha e to amando ,completamente viciada seus textos sao maravilhosos! *–*

  • Ane diz:

    Na verdade eu não acho que isso seja necessariamente uma ânsia. Você já foi em um festival, mas muita gente não foi e gostaria de ter vivenciar isso pela primeira vez.
    Eu acho que a experiência de um festival é muito diferente daquela voltada para um único show e para mim o barato é justamente esse. Ir e conhecer novas bandas, deslocar, parar em outro palco e as vezes se surpreender com algo que você não escutaria normalmente. Claro que sempre tem aquela banda que você gosta mais e quer ficar mais perto do palco, mas acho que o festival vai muito além disso.
    Quanto a viajar e conhecer vários países, acho que é mais uma questão de grana curta mesmo. Quem vai a primeira vez geralmente quer passar por vários países e, consequentemente, conhecer um numero maior de culturas. Acho que isso é mais fruto da curiosidade do que da ansiedade. Pois depois de ter um conhecimento mais superficial você consegue distinguir em qual país gostaria de voltar e passar mais tempo e selecionar melhor o roteiro de acordo com sua experiência passada. Mas entendo sua opinião, só queria dar a minha também! =)

  • Raquel diz:

    Nossa, que texto incrível! Acho que enfim descobri algo que realmente desejo fazer nesse ano (ainda novo)!
    Sua sensibilidade é admirável! :)

  • Juliete marcelli diz:

    Ola!! Quero te parabenizar por colocar em palavras aquilo q eu sinto dentro de mim! Sou

  • Juliete marcelli diz:

    Coisa de escrever pelo celular, acabei deixando o texto pela metade. Sou professora de biologia e vivo falando aos meus alunos q quem faz tudo ao mesmo tempo nao faz nada direito! Eles estudam ouvindo musicas e falando c amigos em redes sociais, e depois nao entendem o motivo das notas baixas etc. Peço permissao para usar seu texto em sala de aula. Seria otimo!! Obg!

  • Mandy diz:

    Resolvi sair do anonimato, Gui rs
    Parei uns minutinhos do meu trabalho, pra dizer que você é incrível! Amo seus textos e o efeito transformador que eles têm na forma como eu penso! É gostoso, é verdadeiro, é tudo de bom! :)
    Já me imaginei em um café com você, conversando despretensiosamente sobre as coisas da vida e quantas histórias vividas inteiramente e intensamente você teria pra me contar!
    Gui, as pessoas que têm sua companhia, sua amizade e carinho, com certeza são pessoas de muita sorte! Conheci seu blog através dos posts de casamento da Lu. Parabéns, amo tudo por aqui! E em relação ao texto, você tem toda a razão e me fez ver o quanto tenho tido pressa pra viver nos últimos anos. Mesmo tendo apenas 20, também não desejo ser assim! Viver como se fosse o último dia não é algo que me atrai! Nada melhor que ser/estar inteiro, seja em um relacionamento, seja profissionalmente. Cada vez mais acredito na importância de viver o hoje, o momento e tudo que ele tem pra me oferecer. Mesmo que não tenha muito. Porque o hoje é só o que temos, porque talvez eu quem deva oferecer mais a ele. Mais do meu esforço, do meu bom humor e da minha atenção. Fiquei inspirada e também não quero ser multitarefas. Já tentei, mas é inútil e daqui pra frente, desejo viver um dia após o outro e pretendo me dedicar inteiramente ao que ou quem for. Você é muito querido e muito do bem ♥, sempre vou estar por aqui, porque amo esse espaço. Um abraço com carinho e seja sempre essa pessoa que inspira, compartilhando das suas receitas e vivências :)

  • Vanessa diz:

    Sensacional o seu post! Eu quero muito aprender a ser assim! Pra você ter uma ideia, essa sensação de querer fazer absolutamente tudo ao mesmo tempo nos consome tanto, que quando eu vi, já estava doente! Estou ainda, tive que me render ao remédios pois essa sensação quando piora, destrói a vida! Ansiedade é o mal do século e as suas palavras entraram em mim da melhor forma possível. Obrigada por isso.
    Parabéns por pensar dessa forma e se me permitir, quero fazer da sua meta para 2014 a minha meta também!! Bjs <3

  • […] Update: Para 2014: Carta Amarela #71. […]

  • Mariana D. diz:

    Gui, é a primeira vez que entro no seu blog (conheci no blog da Chata) e já AMEI de cara! Primeiro: porque AMO cozinhar. Apesar de ser advogada, estou estudando gastronomia.

    Segundo: esse texto me tocou muito, muito mesmo! Parabéns pela sensibilidade! Sabe que esses festivais de música sempre me deixaram muio agoniada, e pelos MESMOS motivos que você citou.

    Não sei se por ser libriana, mas o fato de ter muitas opções na minha frente, me deixa confusa, indecisa e angustiada kkk

    Assim como quando pego um cardápio com muitas opções….fico perdida, com vontade de provar tudo! Inclusive, amei a dica de Paris em razão disto! E aqui em floripa abriu uma hamburgueria no mesmo estilo: cardápio com três opções. To louca pra ir.

    Enfim, o que eu queria dizer é que amei o texto e já virei sua fã! Beijos e sucesso no projeto com a Chata!

  • Nara Odo diz:

    Adorei. Exatamente isso! Eu não quero mais essas metades todas que não formam algo inteiro..obrigada (:

  • Luísa diz:

    Resolvi esses dias ler todas as suas cartas amarelas, sossegar o coração. E é engraçado, as cartas nem são pra mim, a gente nem se conhece. Mas é exatamente isso, Gui: suas palavras sossegam meu coração. Brigada, brigada, brigada <3

    e é uma pena que algumas delas tenham se perdido nesse problema com o servidor

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