retratos de uma obsessão

retratos de uma obsessão

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Não consigo lembrar da última vez em que chorei quando uma celebridade morreu. Mas não resisti quando fiquei sabendo da morte de Robin Williams. Não apenas por causa do fato em si, mas porque o modo como ele morreu – suicídio – não condizia em nada com a imagem que ele passava para nós, o público. Ele se matou? Como assim, o mesmo Robin Williams que deixava pessoas felizes há três décadas?

Claro que as coisas não são simples assim. Robin não foi o primeiro comediante, nem será o último, a esconder depressão sob uma fachada aparentemente feliz. Mas mesmo para quem acompanhava os problemas do ator (que envolviam também álcool, entre outras coisas), a notícia foi um choque. Queríamos acreditar que estava tudo sob controle, que Robin estava feliz com sua família e seus filmes.

Nas horas e dias seguintes à morte do ator, praticamente todo mundo foi à Internet para escrever sobre suas memórias favoritas dele. Muita gente falou de Uma Babá Quase Perfeita; outros citaram Jumanji e Hook, filmes da infância de muita gente. (O meu filme-da-infância-com-Robin-Williams é o bem mais sério Sociedade dos Poetas Mortos, que me causou tremendo impacto quando assisti pela primeira vez, aos nove anos). Mas meu desejo imediato após ler sobre a morte do ator foi rever Retratos de uma Obsessão – bem menos conhecido que os filmes que citei antes, mas que talvez seja o melhor momento dele como ator.

É preciso falar, antes de tudo: não se engane com a tradução horrorosa do título (no original, One Hour Photo), nem com o trailer estilo Atração Fatal. É um filme de suspense, mas acima de tudo é um drama. Um filme triste. É sobre não apenas obsessão, mas sobre solidão, e sobre se sentir quase invisível.

Robin Williams interpreta Sy Parrish, um técnico de fotografia que trabalha revelando fotos num hipermercado asséptico e impecável. Impecável como aparenta ser a família Yorkin, os clientes favoritos de Sy. Nina Yorkin (Connie Nielsen) é linda, tem um filho fofo, um marido bonitão e mora numa casa que é um desbunde. Sy idolatra Nina, e por consequência a família. Ele revela fotos em tamanho maior e não cobra a mais por isso; ele dá presentes ao pequeno Jakob. Ah é, ele também mantém em seu apartamento cópias de todas as fotos da família Yorkin, numa espécie de altar/colagem multicolorida.

Sy mantém uma relação profunda com fotografias, uma relação de respeito, afeto e admiração. “Ninguém jamais tira fotos de algo que querem esquecer”, ele diz. “Alguém que olhasse nosso álbum de fotos poderia concluir que nós levamos uma vida prazerosa, livre de tragédias”. (e esse comentário soa quase ácido quando pensamos em todas as fotos felizes que pipocam no Facebook. Mas esse é assunto pra outro dia)

Sim, a obsessão de Sy pela família Yorkin torna-se perigosa. Mas como eu disse, o filme vai além do clichê de “conhecido aparentemente inofensivo revela-se um psicopata”. Nas últimas cenas (lógico que não contarei o que acontece), a tristeza do personagem Sy, e sua solidão, inundam a tela. “Ninguém tira fotos das pequenas coisas, mas são elas que fazem a vida”, diz Sy no meio do filme. Ao final, o espectador é lembrado disso de modo devastador. E são mesmo as pequenas coisas que tornam a vida bela. Espero que Robin tenha apreciado muitas pequenas coisas durante a sua vida, porque ele merecia uma vida incrível. Durante Retratos de uma Obsessão, seu personagem é chamado de “Tio Sy” em alguns momentos. De certa maneira era assim que Robin Williams era pra muita gente. Quase como um membro da família. Tio Robin, espero que você esteja feliz.

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  • Lília Finelli diz:

    Adriano, adorei o post. Esse também foi, para mim, seu filme mais marcante em termos de atuação (embora minha infância tenha sido marcada pela emoção de Uma babá quase perfeita e Jumanji, aos quais assisti inúmeras vezes). Depois desse texto lindo seu, certamente irei colocar o filme na minha lista de “rever”. Beijinhos, Lília.

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