crimes e pecados
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A gente vê nos jornais, internet e TV cada vez mais casos de pessoas “comuns”, por assim dizer, cometendo atos de violência. Às vezes por motivos absolutamente insignificantes, às vezes por preconceito, mas a impressão que eu tenho (e sei que não sou o único) é de que o crime foi banalizado. E sempre que leio uma notícia assim, o que me vem à cabeça é culpa: será que uma pessoa comete um crime e consegue viver sem culpa, com a consciência tranquila? Um filho de milionário mata um ciclista e fica bem consigo mesmo? Alguém que amarra e mata um suposto bandido na rua consegue continuar vivendo normalmente?
Essas questões estão no centro de Crimes e Pecados, um dos meus filmes favoritos de Woody Allen. A maior parte das pessoas conhece o diretor pelo seu lado cômico – não é surpresa que seus maiores sucessos são comédias, como Meia-Noite em Paris e Noivo Neurótico, Noiva Nervosa. Mas Allen também tem inúmeros dramas no currículo. Nenhum, porém, tão pessimista quanto este filme de 1989.
O protagonista Judah Rosenthal (Martin Landau), oftalmologista de respeito, está decidido a terminar um affair de anos com Dolores (Anjelica Houston). Dolores, no entanto, quer continuar na vida de Judah, e ameaça contar a verdade para a mulher dele. Judah decide tomar uma solução drástica. Ao mesmo tempo, por questões financeiras, o documentarista Cliff (o próprio Woody Allen) aceita dirigir um documentário sobre o cunhado Lester, que ele odeia. As partes com Woody dão leveza e risadas ao filme, mas não se engane: este é um filme sério e forte.
Judah comete um crime e passa a ser torturado pela culpa, tendo visões da sua família judia. “Os olhos de Deus estão sempre sobre nós”, diz ele, lembrando de algo que o pai lhe disse quando criança. O arrependimento de Judah culmina numa alucinação em que ele observa a própria família jantando e discutindo qual o papel de Deus no mundo. O auge da sequência é uma frase que me acompanha desde que vi o filme pela primeira vez: “Você prefere acreditar em Deus ou na verdade?”
Em entrevistas, Allen disse que escreveu Crimes e Pecados porque achou que foi muito “bonzinho” com os personagens de um de seus filmes anteriores, Hannah e Suas Irmãs. Pois aqui Allen é implacável: os personagens que mais tentam fazer o bem são os mais arrasados ao final do filme, e os superficiais, culpados e pretensiosos terminam por cima. É um final tão devastador quanto o de Dogville, de Lars von Trier; a narração otimista de um professor de filosofia, dizendo que ele tem fé nos seres humanos, é cruel quando casada com as imagens que vemos e os destinos dos personagens. Quando lançou Match Point (que é basicamente uma variação de Crimes e Pecados), o diretor disse que queria usar a mesma ideia, mas abandonar os elementos cômicos. Pois eu acho que ele foi sábio ao misturar comédia com a história do adúltero Judah. Porque o que está na tela já é o suficiente para abalar a fé de qualquer um no ser humano. Crimes e Pecados, infelizmente, é um filme mais atual do que nunca.
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