carta amarela #90 – ledru-rollin

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Paris, 10 de setembro de 2014

Queridos amigos,

Há quase dois anos recebi uma mensagem dura: “preciso conversar com você”. Naquela época minha vida estava meio do avesso. Apesar de ter terminado meu curso de confeitaria não sabia se queria seguir adiante com aquilo. Tive problemas com família, amigos. Uma coisa que me carregava era ter um conforto de uma pessoa que eu tinha criado um laço gostoso naquele último mês.

Lembro que atravessei toda a Rue du Chemin Vert pensando no quanto eu estava perdido naquele momento. O sol demorava a sair por entre as nuvens. Um vento gélido batia em meu rosto enquanto eu prosseguia pelo caminho.

Foi então que cheguei à Place des Vosges. O sol, agora descoberto, mas ao mesmo tempo quase se pondo, pareceu iluminar quase toda a extensão da praça. A grama, ainda bem verde, estava coberta de vários jovens e alguns casais. Era fim de tarde e todo mundo parecia aproveitar isso. Alguns velhinhos sentados nuns dos muitos bancos em volta da praça. As árvores com as folhas ligeiramente vermelhas demonstravam que o outono havia começado ali. Dei uma volta em busca dele, mas não o vi. Alguns turistas tiravam fotos em frente a estátua central. Sentei-me na grama. Resolvi esticar as pernas e acabei por recostar todo o meu corpo, a olhar o céu. Senti no rosto e nas mãos o bater de gotinhas de água. O vento forte as trazia de uma das fontes da praça. Ele me disse que não estava pronto para um relacionamento.

Ontem enquanto ele estava no ônibus para o trabalho recebi a mesma mensagem. Dessa vez eu sabia exatamente o que esperar. Precisei sair de casa. Atravessei quase toda a cidade quente a pé. Várias ruas que aparentemente nunca tinha visto ou passado. Precisava chegar até o pé da Torre Eiffel. Nunca tive muito feitiço por ela na cidade. Tanto é que em quinze dias que estou aqui ainda não tinha passado nem pelas redondezas de onde ela fica. Só senti que precisava chegar lá. Sentei-me no Champs de Mars e fiquei reparando mais que ela, mas o movimento ao redor. Um sem número de turistas por vezes fazendo pique-nique, por vezes tirando fotos, por vezes só admirando. Pra cada um aquilo é alguma coisa em um momento.

O fim do dia começava a chegar e o encontrei em um bar na beirada de casa. “Nos tornamos amigos, não amantes”, ele disse. Como daquela vez há quase dois anos tentei não chorar. Da terrase olhei para o movimento das pessoas na rua, daquele sol de finalzinho de dia. Saímos para andar um pouco, alguns quarteirões. Eu não queria falar mais nada. Nos abraçamos num mais puro abraço de bem querer um ao outro. Não quis me despedir com um adieu, mas com um à biêntot. Não quis olhar mais para ele. Coloquei os fones de ouvido e pensei em colocar exatamente a mesma Lost Someone da outra vez. Mas não senti que dessa vez perdi alguém. Cheguei à Bastille e fui andando pela beirada do Sena.

Dessa vez quis ouvir Everybody’s Gotta Learn Sometime, do Beck. Vi o sol se por da forma mais bonita, sobre uma ponte. Vi as árvores balançando. Vi as pessoas passando apressadas. Dessa vez entendo melhor a transitoriedade das coisas. A dor vai passar. O carinho enorme de uma relação muito bonita e de muito aprendizado também vai ficar. Chorei com um quentinho no coração. “Troque o seu coração, olhe ao redor de você”, Beck dizia no meu ouvido. O sol se pôs atrás da cidade. Mas eu sabia que ele nasceria de novo algumas horas depois. Não escrevo para ser escritor. Escrevo para achar no silêncio o amor que falta em todos os amores.

Um abraço apertado,

Gui

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