carta amarela #81 – a culpa
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Belo Horizonte, 26 de maio de 2014
Queridos amigos,
Recentemente tive a oportunidade de viajar para uma praia linda, linda, e ficar num desses hotéis com as refeições todas inclusas. Num dos dias, na hora do lanche da manhã, servido no bar à beira da praia, vi uma tigela enorme cheia de camarões fritos. Servi um pouco num prato e fui me sentar na beirada da praia. Do meu lado sentou um casal com um prato lotado dos mesmos camarões. Eles beliscaram um ou outro. Voltei pra pegar mais camarões e faltavam poucos pra terminar a vasilha. As pessoas ali começaram a dividir os que faltavam, pois ia acabar. Peguei uns dois e voltei pro meu lugar. Meia hora depois o casal se levantou e foi embora, deixando ali o prato cheinho de camarões pra um garçon recolher e descartar. Assim, tinha no mínimo uns 30 camarões no prato. Não aguentei. Olhei pra pulseira do casal e vi o número do apartamento escrito. Peguei o prato e fui até o apartamento e deixei-o na porta, com um bilhetinho: vocês nos esqueceram na praia.
Sei que é abuso meu fazer esse tipo de coisa. Mas penso em quanta gente queria mais camarão e não teve. Em quanta gente no mundo passando fome enquanto tem gente que deixa um prato inteiro assim pra ser jogado fora.
Sei que fico parecendo um velho ranzinza falando desses pequenos problemas frente a tantos grandes que vemos por aí, e tento viver a vida sem reclamar disso tudo. Mas me incomoda muito ver todo mundo reclamando da política, da Copa, dos roubos mas ao mesmo tempo não fazendo nada pra fazer do nosso país um lugar melhor pra viver. A gente tem que cobrar essas coisas que nos são de direito sim, mas precisamos também ser parte dessa mudança. Continuam jogando lixo na rua, ultrapassando os limites de velocidade, dirigindo depois de beber, fazendo gato na TV a cabo dos outros, comprando produtos falsificados, furando fila, colando na prova, querendo tirar o máximo proveito em cima dos outros. Não entendo o cruzeiro perder e os atleticanos passarem a noite soltando foguetes e buzinando não deixando ninguém dormir. Pra que? Pra comemorar a tristeza alheia? E não deixar ninguém dormir em plena quarta-feira? Eu não entendo. E acho que nunca vou conseguir entender. Os limites não existem mais. Se está em voga hoje em dia a liberdade tão sonhada, esquecemos também que a nossa liberdade não pode desrespeitar a do outro.
É muito fácil empurrar a culpa para os outros. A gente vê isso lá na política mesmo: quando descobrem a corrupção, o presidente, seja ele quem for, nunca estava sabendo de nada. A gente falha, e falha muito. E enche de desculpas: a comida queimou porque o fogo estava muito alto – não porque eu estava distraído; minha nota foi ruim porque a prova estava difícil demais – não porque me faltou estudar mais. E assim vamos sendo mais fracos, desonestos com a gente mesmo também. Assim não dá pra aprender nunca. Não dá pra generalizar pois tem muita gente que não tem um nada na vida ao que se agarrar, e, infelizmente, nem de onde começar. Mas o que vejo muitas vezes é que somos nós mesmos os responsáveis pela vida que a gente tem. Jogar a culpa nos outros por tudo que acontece em nossa vida é viver numa ilusão. E viver de ilusão, convenhamos, não é realmente viver.
Um abraço, com a carapuça servindo em mim também,
Gui
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