carta amarela #116 – céu amarelo

carta amarela #116 – céu amarelo

Paris, 10 de agosto de 2015

Querido R.

8 de agosto. 75, Boulevard de la Vilette. Quase meia noite. Comíamos as panquecas que ele havia preparado, cobrindo com o sirop d’érable que havia trazido de Montreal. Colocou na vitrola o último álbum do Sufjan Stevens pra tocar. Nos jogamos no sofá pra falar de coisas aleatórias. Pra ele contar da viagem dele. Eu da minha.

Meia noite. O telefone toca. Era você. Foi o primeiro a me desejar feliz 30 anos. Foi engraçado, eu ainda não tinha notado que tinha mudado de dia nem nada. Sorri. Conversamos um pouco. Desliguei. Ele percebeu que já era meu aniversário e me beijou. Continuamos a conversar mais um pouco. Abri o instagram e vi sua foto. Você usando uma bermuda amarela, girassóis na mão. Fiquei emocionado. Tentei explicar a ele. Foi meio em vão. Senti que precisava ir embora. Pedi desculpas, o beijei uma última vez e parti a tempo de pegar um dos últimos metrôs pra casa. Peguei a linha 2 ali, em Colonel Fabien. Fui pensando em você até descer em Ménilmontant. Descer ali pra mim era meio nostálgico. Estava a 3 quarteirões de onde vivi muitos meses no meu chambre rouge em 2012. Mas ali eu precisava subir um morro, uma caminhada de ainda uns 20 minutos até o final da rua. Era madrugada, mas estava bem quente. Desses dias bem abafados de verão.

O que importa é o que senti depois do que você fez. Eu senti que naquele momento eu precisava estar com alguém que eu amo de verdade. Cheguei em casa. Abri a porta, Rê se assustou. Ela terminava de assistir ao terceiro episódio da última temporada de Orange is the New Black. Contei pra ela que decidi que precisava passar a noite ao lado dela, e acordar no meu aniversário com ela. Passamos quase a madrugada toda conversando. O assunto? Medos. Ela tem medo de envelhecer. Muito medo. Eu não. Meu medo é de me sentir sozinho. Coisa que eu não senti ali. Conversamos como se não houvéssemos dividido a mesma cama há tanto tempo. Acabamos adormecendo. Levantando tarde também. Senti feliz por estar ali. Por ter passado esse momento com uma amiga tão querida.

Lembrei daquela música do Gonzaguinha que diz que “toda pessoa sempre é as marcas das lições diárias de outras tantas pessoas. E é tão bonito quando a gente entende que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá. E é tão bonito quando a gente sente que nunca está sozinho por mais que pense estar.”

Falamos tanto, tanto em crescer. Falamos que o tempo passa rápido. Sendo que nós somos apenas uma transição do ontem. Latente. Daquelas memórias que se tornam ouro. Pensar em glórias. A glória de perder um dente e ver crescer outro, novinho. De sentir aquela dor enorme no peito e, algum tempo depois, ver pulsar um outro coração, novinho, novinho. A força em chegar lá. Sempre chegar lá. Mais e mais pra lá. O lá já foi longe. Longe o suficiente pra me fazer sentir vivo. Vivo com a felicidade que eu sempre mereci sentir. Que todos merecemos. Se sentir feliz ao ouvir a música de ontem como se fosse pela primeira vez. Sentir o aguçar na língua como sorvete faz. Sensações simples que o tempo só aprimora: esse sim é o passado que vale a pena. O pedaço de história que só você conhece. Que se faz vivo quando aquele perfume que você gosta tanto passa pelo ar. Quando aquele filme da sua adolescência passa na TV. Quando aquele chocolate da infância volta para as prateleiras. A lembrança nem é por ninguém a não ser por você mesmo. Eu e a minha pequena solidão que só faz sentido na fração de segundo do meu mundo. É desse andar só e ao mesmo tempo junto que me faz sentir a vida alcançar um andar a mais, a cada ano dessa vida que passa. Abri ontem a carta que escrevi quando tinha quinze anos, para abrir quando eu fizesse trinta. As coisas são tão diferentes. Eu imaginava a vida mais estável que alguém pudesse imaginar. Deixei algumas lágrimas escorrer ao enxergar que eu já aprendi muita coisa nesses últimos 15 anos. Coleciono com orgulho o meu livro de páginas infinitas repleto de sorrisos, nariz sujo de chocolate quente, barba com farelos de croissant, abraços embaixo da garoa, cochilos no metrô, dançar uivando pra lua. Se hoje eu pinto o céu de amarelo, a parede do quarto de rosa, meu coração de azul cobalto é porque eu sei onde quis chegar.

Feliz por te escrever. Espero que você esteja bem. Continuo sempre aqui.

Gros bisous,

Gui

0 Flares Twitter 0 Facebook 0 0 Flares ×

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Pode usar estas etiquetas HTML e atributos: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>