carta amarela #115 – geração netflix
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Belo Horizonte, 14 de setembro de 2015
Queridos amigos,
Desde que a temporada em Paris de O Chef e a Chata estreou, e em sua abertura vê-se que teremos receita de macarons, sou inundado com a pergunta seja aqui, seja no youtube, seja no instagram: “Que dia sai a receita de macarons?”, numa delas ainda vinha: “Preciso pra ontem!”. Toda vez que essa pergunta aparece eu penso: “Calma, uma hora ela vai sair”. Ri e comentei com a Lu: “Estão querendo que a gente seja Netflix!”
Fiquei pensando nessa necessidade que a gente tem de que tudo esteja à nossa disposição na hora que quisermos. O mundo tem se movido nessa direção, né? Temporadas inteiras de séries lançadas ao mesmo tempo, qualquer música na hora que a gente quiser, quando a gente quiser. Sabe a sensação de quando você está num lugar no meio do campo e não tem internet ou 4G? Pois é. Talvez pra alguns seja de alívio, pra maioria, penso, é de total desespero. Fato é que a necessidade da urgência pra muitos invadiu os limites de respeito aos outros. Hoje em dia com os smartphones você em teoria tem contato com outras pessoas 24 horas por dia 7 dias da semana. Mas eu me pergunto: E o meu próprio tempo?
Esse celular constantemente ligado não deixa de ser uma autoafirmação de importância. Como se o mundo não pudesse viver um segundo sem mim. E isso, a meu ver, é triste. A pessoa nunca está cem por cento ali. Não se dedica tanto àquelas pessoas que está convivendo no momento, seja um encontro amoroso, entre amigos ou mesmo profissional. É interessante: você ali, com o celular ligado, pertence ao mundo. Mas não pertence a si mesmo.
Tem horas que me sinto com a sensação de viver num reality show. Mandam-me mensagens em que os aplicativos avisam se eu já li ou não. Perdi o direito de ler e poder responder quando quiser, afinal, já viram que eu li. Se não respondo na hora, sou grosso. A todos os lugares, câmeras. Não só as de vigilância. Lembro quando fui num show da Feist e ela parou o show em determinado momento e pediu que não queria mais ver “maçãzinhas” a filmando e fotografando ali. Que ela não dizia isso pra ser chata, só queria que todos aproveitassem o momento. É a urgência de mostrar aos outros o que viveu, ao invés de ir lá e viver. E aí vem outra coisa triste: Se você, digamos, viu Scarlett Johansson na rua e não tirou foto ou filmou, pronto: É como se você não a tivesse visto. Se você contar, é como se fosse uma mentira. Cadê a prova? E aí me pergunto de novo: Não estaria você invadindo o próprio espaço e tempo dela?
Ouvi um grupo de homens contar um pro outro quanto tempo gastam pra ir de carro de uma cidade a outra. O que fazia em menos tempo impressionava ou outros: “Só isso? Mas você corre demais! Impressionante.” Impressionante pra mim é a capacidade das pessoas em por risco à própria vida pra chegar 15 minutos antes em um lugar. E vai fazer o que com esse tempo livre? Provavelmente entrar em alguma rede social pelo celular. Ou ligar a TV. E olham para as placas de velocidade da estrada como se elas existissem ali somente como um empecilho, e não como uma medida pra evitar acidentes. Afinal, os otários são aqueles que respeitam os limites.
A sociedade se modernizou sim, mas é preciso resgatar os conceitos de respeito, de espaço, de tempo. Isso sim, pra mim, é caso de urgência. A natureza mesmo mostra pra gente que tudo tem seu tempo. Aquela fruta no pé leva seu tempo pra amadurecer. O bebê leva nove meses na barriga da mãe pra se formar até nescer. Não é preciso essa afobação toda. Dá pra fazer tudo no seu tempo. Saber aguardar, saber o melhor momento das coisas, ser paciente. Sem também achar que tudo pode ser feito na lentidão. É fazer num tempo adequado. Achar seu próprio tempo é das coisas que mais acalmam no mundo, tipo colo de mãe. Lembrei de quando vi o filhinho de uma amiga dar seus primeiros passos após muito tempo engatinhando. Sorri. É preciso ter o olhar calmo e gravar na memória como é bonito os passos tortos de quem aprende a ter equilíbrio pela vida afora.
Um abraço muito tranquilo,
Gui
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