carta amarela #103 – o que sobrou do carnaval
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Belo Horizonte, 18 de fevereiro de 2015
Queridos amigos,
Vejo as plantas em frente minha janela se enroscando com o vento, quase numa dança. A chuva bate fininha na janela, num dia em que a gente poderia chamar a quarta-feira de cinzas de quarta-feira cinza. Esse carnaval foi de muitos encontros. Pensei nas pessoas que vieram me dizer que gostam de mim mesmo sem me conhecer. Pensei nos inúmeros amigos que vi e revi. Amigos de longe. Amigos que moram longe. Gente que eu conheço pouco mas que tenho um afeto grande dentro de mim.
Foi interessante ver a criatividade das fantasias, os inúmeros brilhos. Brilhos esses também dentro de cada um que passava pelos blocos nas ruas. Se dizem que os olhos são a janela da alma, foram deles que vi almas verdadeiramente felizes.
Foi um carnaval de reencontros também. Reencontrei alguém do meu passado que me fez mal anos atrás. Dançamos juntos, rimos um pouco, quisemos que existam outros reencontros. Encontrei também algumas pessoas que já não foram tão legais comigo algumas vezes. Cumprimentei todas com a mesma alegria com que cumprimentei todos os amigos queridos que fui encontrando no caminho.
Num dos dias do carnaval sentei pra almoçar no terraço de um amigo, e um beija-flor sentou na grade bem em frente a mim. Quietinho, quietinho. Lembrei de um ex. Um ex que sonhava ver um beija-flor algum dia na frente dele, e que só conseguiu realizar esse pequeno sonho aos 32 anos, em sua vinda ao Brasil. Lembrei da carinha dele sorrindo, com os olhos cheios de lágrimas de ver a natureza sendo linda ali, em algo que ele talvez nunca imaginaria ver, ao vivo. Não pensei, naquele momento, em quão triste foi nosso fim alguns meses atrás. Tirei uma foto e enviei pra ele. Meses sem trocar notícias. Ele ficou feliz, comovido, do jeitinho dele, milhas distantes daqui.
Fiquei pensando sobre o perdão. Que vem da palavra doar. Quem perdoa doa o direito de estar ressentido a quem te feriu. Em outras palavras, abre mão de se sentir vítima de alguma coisa ruim que aconteceu. Pra perdoar a gente precisa olhar dentro, bem dentro e até perceber que talvez tenha alguma responsabilidade também por aquele ato que feriu a gente. Talvez não. Mas a gente nunca está cem por cento certo e toda história tem suas versões.
Faz parte entender que todo mundo erra. E todo mundo acerta também. E é esse conjunto de erros e acertos que fazem nossa história. Nada, nada em nossa história deveria ser descartado, pois é essa união de erros e acertos que faz o que somos. E história nenhuma deveria ser guardada com rancor. Essa coisa que corrói a gente por dentro. Que deixa a gente ansioso, sem dormir. A gente precisa perdoar a nós mesmos. Desde coisas simples, como não comer algo com culpa de que vamos engordar. Até conseguir perdoar nossos próprios erros também. É mais fácil pra seguir em frente, com menos pedrinhas na mochila que carregamos nas costas. Quando a gente é bom com a gente mesmo é mais fácil sentir compaixão pelos outros também. Se perdoar é entender que a lição foi aprendida com um erro e isso é importante pra gente ser alguém melhor também.
O confete passou e carregou qualquer mágoa junto. A chuva na frente da minha janela cai mais forte agora. As plantas não balançam mais com o vento. Me senti feliz em lembrar dos reencontros. E entender que melhor que desunir, é unir. Sempre. Se todo carnaval tem seu fim, que ele seja o começo de novas felicidades.
Um grande abraço, ainda cheio de purpurina pelo corpo e com os olhos ainda mais brilhantes,
Gui
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