só garotos

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Volta e meia me fixo nessa imagem: um casal de velhinhos em meio a lembranças de quando dançaram Velvet Underground juntos em sua juventude. Foi num dia frio e chuvoso em que resolvi ver uma exposição tão bonita sobre a banda na Filarmônica de Paris. Lembro que observei esse casal de velhinhos o tempo todo, desde a entrada. No começo, achei graça de ver um casal mais velho, com carinha de vovô e vovó, indo ver uma exposição sobre a influência de uma geração punk rock. Até perceber que aqueles dois viveram aquilo tudo, e que não passava de um preconceito meu achar que eles não iriam numa exposição com essa temática que incluísse imagens explícitas e fortes de sexo e drogas. E o que mais me emocionou ao final foi entender a beleza de tudo nos olhos marejados de lágrimas deles.

Lembro também que nesse mesmo dia voltei pra casa e encontrei uma das minhas amigas mais queridas lendo Só Garotos. Falei tanto do que vi na exposição, da cena novaiorquina da década de 60, das obras de Andy Warhol, do movimento cultural da época. E ela foi me contar do quanto estava tocada com o relato tão bonito do mesmo movimento feito pela Patti Smith no livro.

Patti cresceu numa família modesta em Nova Jersey e, prestes a completar 21 anos, foi tentar a vida em Nova York sem dinheiro no bolso e um livro de Rimbaud na mala. Era o final dos anos 60 e ela precisou se virar como pôde: morava escondida no trabalho, comia pouco pra tentar juntar algum dinheiro ou comprar material de arte. Um dia ela conhece Robert Mapplethorpe, alguém que também queria ser artista e que também não tinha um tostão no bolso. Desse encontro nasce inicialmente um romance e depois uma amizade para a vida toda.

patti

É com o olhar atento e afetuoso que ela vai contanto essa história nada convencional em como foram se encontrando pelo caminho: Mapplethorpe entendendo que era gay e se encontrando na fotografia; ela trilhando um caminho com poesia e música. Se misturando a tantos nomes da arte e música da época que a gente tanto já ouviu falar. Me senti comovido no quanto ela mostra através do seu texto uma relação de lealdade e suporte tão bonita. Mais do que o movimento artístico em si, fica pra mim que a vida é feita mesmo desses grandes afetos que a gente encontra em nossa jornada. Essa mesma vida que talvez nos faça partir antes da hora, mas que fica aí perdurada em imagens e palavras tão bonitas que a gente guarda, quentinhas, quentinhas.

Ao fechar o livro, lembrei de novo do casal de velhinhos. Entendi, ali e em Só Garotos, como pode existir vida, amor e beleza pra quem aposta na ousadia e liberdade como forma de ser.

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  • kk peixoto diz:

    Ai que texto lindo!!!!! Confesso que sou apaixonada por essas histórias, mas quando alguém, nos dias de hoje, me diz algo sobre a liberdade, viver sem dinheiro, largar tudo, se mudar ou mesmo virar artista; fico reticente. Não acho possível. Deve ser puro preconceito. Por que nos dias de hoje tudo é tão difícil?

    • gpoulain gpoulain diz:

      sabe que não acho que deveria “largar tudo?” até porque no livro a Patti continuou durante muito tempo trabalhando numa livraria e o Robert fazendo bicos (e se prostituindo), e mesmo assim passando dificuldades financeiras. hoje em dia vejo tanta gente tendo um emprego e levando um projeto à parte ao mesmo tempo. foi assim com muita gente, é assim com muita gente (é um pouco assim comigo). li um dia a Elizabeth Gilbert (de Comer, Rezar e Amar) dizendo que trabalhava como jornalista e ia ser escritora todo dia, meia hora por dia. ela dedicava todos os dias, sem falta, por meia hora a escrever. Foi assim com seus primeiros livros até que ela fez sucesso e foi se dedicar somente à isso. de toda forma fiquei encantado em ler Só Garotos e ver tudo o que viveram. um abraço!

  • Erika diz:

    Gostei da dica, comprei, li e adorei! :)

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