quando eu era vivo

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Uma das desvantagens de morar fora é perder o contato com os filmes brasileiros. Ao menos aqui, na Alemanha, é raríssima a chance de assistir a um filme nacional na tela grande – exceto durante algum festival, ou algo similar. Não sou muito fã dos blockbusters nacionais (basicamente as comédias estreladas por astros da TV, né?), mas tem muito filme menor/independente que merecia mais reconhecimento. Sinto falta de descobrir preciosidades brasileiras.

Visitei minha família no início do ano e aproveitei a chance para me inteirar de algumas obras nacionais mais recentes. O primeiro que vi foi Quando eu era Vivo, de Marco Dutra. O filme anterior de Dutra, Trabalhar Cansa (co-dirigido por Juliana Rojas), é quase único na seara de filmes nacionais: uma espécie de “terror doméstico”, a história de um casal, um supermercado de bairro recém-adquirido, e acontecimentos estranhos no local. Mesmo esses elementos não são suficientes para descrever o filme. Não é obra que explica tudo, e é melhor assim. O ar de mistério perpassa até os momentos mais mundanos. É um filme pequeno, sem atores conhecidos, que merece ser descoberto.

Quando eu era Vivo é maior, ao menos no quesito “atores conhecidos”. Entre os atores principais estão Antônio Fagundes e Sandy. Não sei como foi a recepção do filme no Brasil, mas posso imaginar as manchetes anunciando “o filme da Sandy” (momento pessoal/revelação/confissão: alguém aí foi ver Acquaria nos cinemas? Eu fui, e lembro de ter achado bem razoável). Será que a presença de Sandy levou muitos fãs da cantora aos cinemas? Espero que sim – pois ela está ótima, e o filme é excelente; ainda melhor do que Trabalhar Cansa.

Contar muito sobre Quando eu era Vivo é estragar a experiência, já que este é o raro filme que me surpreendeu de verdade. Começa com o reencontro entre pai (Fagundes) e filho (o ótimo Marat Descartes), quando este último vai passar uns dias com o pai enquanto se divorcia. Os dois não se dão bem desde a morte da mãe, há anos. A tensão está o tempo todo no ar, quebrada apenas eventualmente pela presença de Bruna (Sandy), que aluga um dos quartos da casa.

Parece premissa para um drama familiar, mas o filme vai muito além. É estranho e fascinante. É filme pra ver mais de uma vez e reparar como pequenos elementos contribuem para o mistério – o cara louco que vive na praça perto do prédio, por exemplo, cujos gritos cortam a noite. Ou como os objetos do apartamento aumentam o clima sufocante, o passado que vai dominando o presente, o mofo que parece aumentar de forma metafórica. Além disso, o diretor brinca com “lendas urbanas” brasileiras, como um boneco do Fofão que figura em várias cenas. Aposto que vai ter muita gente tendo calafrios com isso!

Espero que mais gente veja Quando eu era Vivo. Nunca fiz um filme, mas sei como é difícil fazer cinema no Brasil. E tem muito filme bom sendo feito; fico furioso quando alguém ainda vem com aquela lenga-lenga de que “a Argentina dá um banho no Brasil em matéria de cinema”. Sim, a Argentina produz vários filmes excelentes, mas o Brasil também! Basta ir atrás. Se esse texto levar ao menos algumas pessoas a conferir Quando eu era Vivo, ficarei muito feliz.

(Só um adendo: eu já conversei virtualmente com o diretor Marco Dutra – um cara muito simpático e gentil. Portanto, se ele acabar de alguma forma lendo esse texto, desculpa qualquer erro de informação ou interpretação do filme, viu, seu Marco?)

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  • Simone diz:

    Fiquei com medo só de ver o trailler… e olha q o Fofão nem apareceu!!!! Vou ter de assistir!
    Beijos

  • Olá, adorei a resenha!! Assisti ao filme e tive impressões semelhantes quanto à boa qualidade do longo. Também achei a Sandy ótima. Fiquei muito interessada na parte cenográfica, concordo, tem objetos bem peculiares nas cenas. Vou ter que ver de novo para reparar no Fofão..rsrsrs

    • Adriano Ferreira diz:

      Carina, que bom que você também gostou do filme! Esqueci de comentar no texto sobre o uso de outra lenda urbana no filme: o disco tocado ao contrário…

  • Sofia diz:

    Não sei se vou assistir porque me borro com terror. Mas foi um post gostoso de ler, espero ver mais conteúdo como esse aqui. :)

    • Adriano Ferreira diz:

      Sofia, obrigado pela resposta! Minha irmã também se recusa a ver filmes de terror. Mas se você tem amigos que gostam, recomende a eles. Qualquer filme nacional bom (ainda mais pequeno assim) merece todo o apoio possível.

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