o som ao redor
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Um dos assuntos mais comentados essa semana foi a premiere em Cannes do filme Aquarius, do diretor Kleber Mendonça Filho. Antes mesmo de o filme ser exibido, a polêmica já estava armada: diretor e elenco protestaram no tapete vermelho do festival, levantando cartazes contra a situação política brasileira atual (mais especificamente, acusando o governo Temer de golpe e dizendo “O Brasil não é uma democracia”). Após a exibição do filme, as notícias sobre o protesto deram lugar aos elogios. Uma enxurrada de elogios, diga-se, principalmente para a protagonista Sônia Braga.
A hora é oportuna para discorrer sobre o filme anterior de Mendonça Filho, O Som ao Redor. Um dos filmes brasileiros mais impactantes da década até então, a obra infelizmente continua atualíssima – dada a atual situação do país.
Não que O Som ao Redor fale de crise política, crises entre presidente e vice, deputados corruptos. Mas é um filme que diz muito sobre nós, brasileiros; sobre as pequenas corrupções do dia a dia, sobre como a tensão entre as classes está enraizada na sociedade, mesmo quando não percebemos. Tendo como palco uma rua qualquer no Recife, o diretor constrói um mosaico incômodo, por vezes hilário e no fim das contas muito tenso, com momentos de terror puro.
Não há um protagonista em O Som ao Redor. As histórias dos moradores se cruzam, às vezes se tocam de leve, em outros momentos se sobrepõem. Uma dona-de-casa precisa lidar com o cachorro na casa vizinha, que não para de latir durante a noite. Uma equipe de segurança provoca diferentes reações entre os moradores. A namorada de um jovem tem o rádio do carro roubado; ele sabe bem quem foi o autor do crime.
Já vi gente dizendo que nada acontece durante o filme. E é exatamente o contrário: as pequenas ações dos personagens dizem coisas imensas. O jovem cuja namorada teve o rádio roubado confronta o ladrão; o espectador sente que ele não faria nada se a vítima não fosse namorada dele. Uma reunião de condomínio (essa brasileiríssima receita para conflito) lida com o destino do porteiro como se ele fosse um animal de rua. O morador mais rico da rua continua agindo como se morasse na casa-grande, ares de superioridade sempre, agindo como se todos à sua volta devessem servi-lo ou admirá-lo.
Aqui e ali pipocam situações hilárias, mesmo que algumas vezes a gente ria de nervoso. Mas no trecho final (o filme é dividido em partes), o filme atinge pontos de tensão explícita, recorrendo aqui e ali a momentos apavorantes – nem todos com explicação natural. Mas Mendonça Filho não quer fazer um filme convencional, amarradinho. É filme pra mexer com a cachola, pra confundir e provocar, pra fazer com que cada um de nós se veja ali, naquele emaranhado de personagens que, em sua maioria, não são pessoas ruins – mas que não ponderam muito sobre as pequenas picuinhas do dia-a-dia, sobre os traços condenáveis em si. Já quando esses traços aparecem nos outros, ah, como é fácil enxergar então!
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