livre
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Existem inúmeros filmes baseados em histórias reais de pessoas comuns que fizeram coisas extraordinárias. Geralmente a ideia por trás desses filmes é fazer o espectador se sentir inspirado, tocado, talvez mesmo tentado a usar o protagonista como exemplo e mudar sua própria vida, também fazer algo extraordinário com ela. Porém, nem sempre é possível identificar-se com esse tipo de história. Em alguns casos, o feito da pessoa é tão incrível que provoca admiração, mas não necessariamente identificação (O Clube de Compra Dallas, por exemplo); em outros, a pessoa é mostrada na tela como alguém tão iluminado e maravilhoso que ela deixa de ser humana/comum e vira praticamente um super-herói (caso de Invencível, dirigido por Angelina Jolie e atualmente em exibição nos cinemas).
O fato de Cheryl Strayed, protagonista de Livre (Wild), não ser retratada dessa forma foi decisivo para que o filme me tocasse tanto. Cheryl, vivida na tela por Reese Witherspoon, passou anos após a morte da mãe alternando o uso de drogas e tendo vários parceiros sexuais, acabando por arruinar seu casamento. Até que um dia ela resolveu – quase por impulso – fazer uma caminhada de quase dois mil quilômetros entre os EUA e o Canadá. O filme alterna as dificuldades enfrentadas por Cheryl durante o percurso e flashbacks do passado, principalmente a relação dela com a mãe (Laura Dern), vítima de câncer.
Um filme assim tem que quase obrigatoriamente ter muitas cenas de belas paisagens, e nesse sentido Livre não decepciona: a jornada de Cheryl inclui montanhas com vistas de tirar o fôlego, belos campos cobertos de neve, e vários animais selvagens (tanto simpáticos quanto perigosos). Mas Livre é especial principalmente por causa da figura de Cheryl em si. Ela não é alguém exemplar desde o início, como o Louie Zamperini de Invencível, nem uma pessoa abominável que promove uma reviravolta de 180 graus na própria vida. Ela é cheia de falhas e defeitos – e como diz uma música da qual gosto muito, “she does a lot of things and regrets it”, ela faz várias coisas e se arrepende. Mas ela é a mesma pessoa sempre, durante todo o percurso. Ela apenas tenta achar saídas, respostas, e mudar seu modo de agir e pensar.
Os flashbacks de Cheryl são tão (ou até mais) fortes que as cenas da jornada, mostrando em vários momentos Cheryl sendo cruel com a mãe de maneiras que apenas os filhos sabem ser; ou quando ela admite para um estranho, ao lado do marido, que foi infiel várias vezes. A expressão no rosto de Witherspoon nesse momento é chave para a força de sua atuação: ela não se faz de coitada, nem pede a simpatia do espectador. Uma mistura de tristeza, resignação e arrependimento perpassa o rosto da atriz, explicitando como Cheryl é uma pessoa de verdade, complexa, tridimensional.
“E se eu me perdoei?”, pergunta Cheryl a si mesma quando o fim da viagem se aproxima. A jornada de Livre é uma jornada de superação como inúmeras outras já mostradas no cinema, mas também é uma jornada de perdão. “Não seja tão dura consigo mesma”, diz outro personagem a Cheryl, e a frase pode ser tanto metafórica quanto literal (a gigantesca mochila de Cheryl é apelidada de “O Monstro” por outros trilheiros). O que ficou comigo de Livre, além da jornada e da magnífica atuação de Witherspoon, foi essa pergunta – com a qual, eu imagino, várias pessoas lendo isso podem se identificar. E se nós perdoássemos os erros que cometemos no passado?
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