carta amarela #97 – deixar ir

carta amarela #97 – deixar ir

Belo Horizonte, 1 de dezembro de 2012

Queridos amigos

Lembro-me de quando me mudei pra França pela primeira vez. Fui morar num apartamento de 21 metros quadrados em que não cabia quase nada. Antes de ir resolvi doar 2/3 do meu guarda roupa. Resolvi fazer uma limpeza geral no meu quarto, mas deixei muita coisa guardada: lembranças. Lembro também quando meu primeiro namorado francês me deixou. Quando estávamos juntos ele sempre deixava bilhetinhos escondidos pra mim na minha casa. Eu achava isso o máximo. Quando ele terminou comigo toda aquela alegria virou tristeza: a cada vez que eu lia aqueles bilhetinhos, por mais lindos que fossem, me davam aquela sensação de “nunca mais vou viver isso”, o que me deixava numa tristeza enorme. Sei que eu poderia tê-los guardado pra ler hoje, quando, três anos depois, já não sentiria absolutamente nada. Mas resolvi queimá-los, na época. Queimar mesmo – com um copo de água do lado – pois naquele momento senti que precisava de alguma transformação forte pra deixar ir. Foi a melhor coisa que eu fiz.

Nos últimos dias tenho sentido uma dor forte aqui dentro do peito, e sei que é devido a tudo o que deixei pra voltar pra cá: uma vida que eu gostaria de viver, uma paixão avassaladora que vivi nas minhas últimas semanas, os lugares que eu amava ir, as pessoas que eu amava ver todo dia. O problema é: quanto mais eu penso nisso mais isso pesa em mim. Há alguns meses eu escrevi uma carta em que dizia que estava tentando retirar todas as pedrinhas da mochila que existe nas minhas costas: respostas atravessadas de amigos; motoristas impacientes no trânsito; aquela vendedora grossa da padaria; essas pequenas coisinhas negativas que eu ia guardando meio que sem querer. E foi aí que eu me vi guardando nessa mochila nesses últimos dias algumas pedras enormes que não estavam me deixando nem andar pra frente.

Desapegar, deixar as coisas irem, é uma das coisas mais dolorosas que existem. Junto dessas pedras estou tirando muito mais coisas também. Resolvi jogar fora diários antigos, doar presentes de pessoas que já não fazem parte da minha vida. Claro, guardei várias cartas de amigos que representam muito pra mim. Mas dispensei todas as coisas que um amigo gosta de chamar de “museu do sofrimento”.

Tem coisas que tem grande significado pra gente no momento, mas que no futuro não terão mais. Sabe aquele seu melhor amigo do colégio que você nunca mais viu mas que está lá enfeitando o seu facebook mesmo que vocês nem conversem mais? Então, ele foi muito importante na sua vida um dia, mesmo que não seja mais. E a cada vez que encontrá-lo vai ser uma sensação boa de um bom tempo vivido. Mas isso não significa que você tenha que se ater a ele e tentar encontrá-lo sempre, como se estivesse agarrando um tempo melhor que o de hoje. A gente muda. As pessoas mudam. O tempo muda a gente. Músicas que já fizeram sentido um dia talvez não façam mais. Isso acontece com pessoas. Coisas. Lugares. Livros.

Talvez esse meu desapego seja um pouquinho radical. Talvez seja o que eu esteja precisando no momento. Sei que a vida ainda vai ter muito momentos inesquecíveis que irei viver não importa onde. Mas se tem algo que sempre busco é o viver com leveza. É preciso deixar as coisas irem. Afinal, coisas pesam.

Um abraço um pouco mais leve,

Gui

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  • Marcus diz:

    Oi.

    1. Sim, eu leio suas cartas.

    2. Como seu amigo eu sei o poço quase sem fundo de sensibilidade que você é. Por isso as leio. É uma maneira que consigo entender essa tua aura tão… Sua.

    3. Sou quase uma década mais velho que você. E sei como ninguêm o que é querer dar uma faxina em rede social e faxina na VIDA, como diz nosso outro amigo. Vai com fé.

    4. Nós gostamos muito de você, e fazemos parte da sua vida belohorizontina. Se a gente pudesse, fazia parte da parisiense também, mas a vida não deixa. Então saiba que as pedrinhas da mochila nunca irão terminar. Novas nascem das velhas, tipo Gremlins. Não precisa nem molhar. Mas a gente pode ajudar a diminuí-las, conte com a gente.

    5. Torço demais pro seu sucesso, Gui. Aqui, em Paris ou na PQP. Você é uma das pessoas mais talentosas que conheço. E quero ver você voando longe. Então: solte as pedrinhas de Paris MESMO. Deixe só aquelas que valem a pena resolver depois. Ok?

    Um grande abraço.

    M.

    • gpoulain gpoulain diz:

      adorei saber que você lê as cartas. eu não sabia mesmo. fico muito feliz de saber que posso sempre contar com você, e é recíproco! um grande abraço!

  • fabi nogueira diz:

    bem isso. :)

  • Rogéria diz:

    Gui, suas cartas amarelas são sempre muito verdadeiras!
    Concordo que deixar as coisas irem é fundamental para um caminhar mais leve e às vezes, precisamos disso!
    Saiba que quando essas “coisas” se vão e esvaziamos nosso “potes”, é para que “coisas” melhores venham!
    Bj

  • Raquel diz:

    Oi Gui,

    Muito interessante você escrever de novo sobre isso. Sábado eu estava lendo a outra carta em que você disse que é preciso deixar as coisas irem. Essa carta me ajudou muito esse ano, porque foi um ano de muitas mudanças e alguns adeus dolorosos. Com essa nova carta eu fiquei me perguntando por que vira e mexe a gente enche de novo a mochila com pedras, mesmo sabendo que não deve.
    O que encheu minha mochila de pedras foi ficar vivendo nas minhas ilusões. Eu esperei o ano todo pra vir estudar na França e concretizar um sonho de anos. Esperei o ano todo pra reencontrar uma pessoa especial e que no fim das contas se transformou numa decepção – o encontro, não não a pessoa. (Alias, onde fica o SAC de Paris heim? Quero meu dinheiro de volta! RS! ). Então, acho que quando a gente se entrega as esperanças de um futuro melhor e foge do presente, a nossa mochila enche sem que a gente perceba.
    Lembrei de uma passagem de Memórias de uma Gueixa que conclui bem isso : “Eu estava em Gion havia mais de seis meses quando recebi a carta do Sr. Tanaka ; e durante aquele tempo em nenhum momento desistira de acreditar que um dia teria uma vida melhor noutra parte, com pelo menos parte da minha familia. Só metade de mim vivia em Gion; minha outra metade vivia em meus sonhos de voltar pra casa. É por isso que sonhos podem ser coisas tão perigosas: queimam como fogo, e as vezes nos consome completamente”.
    Decidir deixar as coisas irem é radical porque nossa mente procura sempre a zona de conforto do que já é conhecido. Mas é a melhor coisa que a gente faz na vida. Deixar as coisas irem, pra que novas venham.
    Estou com você na procura pela leveza!
    Beijos!

    • gpoulain gpoulain diz:

      eu acho que é normal a gente encher de novo. a gente é descuidado, e quando falo a gente eu falo de mim mesmo. temos boas intenções em melhorar, mas acho que é tudo um processo. já encho muito menos do que antes, mas acho inevitável acontecer. basta querer estar sempre consciente disso e ir melhorando pouco a pouco. que bonita essa passagem do Memórias de uma Gueixa! é um livro que tenho vontade de ler. vamos juntos nessa procura pela leveza! um beijo!

  • G, você como sempre acerta.
    Fico impressionada com isso, sempre leio as suas cartas e, por incrível que pareça, sempre as leio no momento exato da minha vida (parece-me que você advinha o que estou passando e escreve sobre isso, ou então, você na França e eu aqui no Brasil, vivemos nossas vidas completamente diferentes, mas com algumas coisas em comum, rs).
    Fico feliz que tu tenhas desapegado do que te impedia de andar.

  • Mariana D. diz:

    Eita, Gui! Algumas pedrinhas nos acompanham para sempre né? Tipo Paris – e tudo que você viveu lá – na sua vida. O que for pesado, joga fora mesmo. Mas acredito que, dessa última viagem, você tenha trazido coisas muito mais leves e lindas na sua mochila…mais do que pedrinhas! Apesar do momento difícil do início, te acompanhando por aqui a sensação é de que os momentos felizes saíram ganhando. Ex: você foi morar com sua amiga querida, conheceu novas pessoas, e viveu uma paixão avassaladora novamente! Vê que lindo! Você merece toda essa felicidade Gui! Quando vivemos intensamente, é inevitável essa saudade do que passou….mas novos momentos intensos e lindos virão pela frente! Um abraço bem apertado, daqueles que desatam nós!

  • Hermano diz:

    adorei essa… realmente preciso pensar mais assim tambem. forca que uma hora tudo se acerta de novo, Gui.

  • diz:

    Essa limpeza é necessária para abrir espaço pras coisas novas…. o que realmente importa fica na memória.
    E tenha certeza que essa vida ainda vai dar muitas voltas até que vc encontre o lugar onde vai fincar seus pés e se sentir plenamente feliz. Se for pra voltar pra Paris, isso vai acontecer. Enquanto isso, liberte-se para o novo e encante o mundo com todo esse talento. As pessoas precisam de vc. Cada carta dessas é um suspiro feliz para os leitores, cada garfada nos seus bolos maravilhosos é uma sensação doce e incrível, cada desenho admirado é inspirador…. Recupere o fôlego e siga em frente… estamos aqui na expectativa por lindas novidades!
    Beijos

    • gpoulain gpoulain diz:

      também acho tão isso! o que importa fica na memória… penso muito nisso até pra tirar fotos em viagens. sabe? escolher alguns momentos e não sair clicando TUDO pra depois ter 1000 fotos que não vou ver de novo. fica na memória as mais felizes recordações. sabe que tenho cartas da Lídia guardadas aqui? eu as reli essa semana. :)

      um beijo grande pra você!

  • Daniele Cunha diz:

    Cheguei a me arrepiar lendo esta carta, das mais profundas que já escreveu, Trouxe um pouco de nostalgia, tristeza, melancolia,sentimento de saudade do que ainda nao se viveu. Admiro muito sua sensibilidade Gui, não só para a escrita ou culinária mas como o modo de ver a vida, de levar a vida. Precisava te dar um abraço bem apertado, sei lá, me deu esta vontade ao chegar ao final da carta, não por qualquer sentimento de pena, mas por compartilhar contigo dos mesmos sentimentos que este texto nos traz. Um beijo na alma, um abraço e espero que a volta a casa te traga ainda mais momentos encantadores e fantásticos, para que possa nos fazer parar o que estejamos a fazer pra ler uma carta amarela e fazer nosso dia mais tranquilo, mais leve, mais feliz eu diria.

  • Lara Torrezan diz:

    Deixo aqui um recadinho, um trechinho de canção do Chico César, artista de minha terra: “Coisas são só coisas, servem só pra tropeçar. Tem seu brilho no começo, mas se viro pelo avesso, são fardo pra carregar…” Lembrei muito dessa música ao ler tua carta, acho isso tudo de grande sabedoria. Por uma vida mais leve! Um cheiro Gui :*

    ps: caso te interesse e não conheças, o nome da música é “De uns tempos para cá” sugiro que escute esse cd todo, é lindíssimo :)

  • Sofia diz:

    Gratidão por compartilhar com a gente essa carta. Importante perceber que não estamos sozinhos no processo, super me identifiquei. E vamo que vamo q a vida é boa e como vc já deve ter percebido (pelo conteúdo da sua carta) que somos os responsáveis por torná-la assim p nós mesmos, meus votos são de que a cada tropeço nessas nossas pedrinhas você consiga até sorrir ao perceber q é só uma pedra, não é você. Essa é a minha meta.

  • Que espaço lindo que é o seu blog. Com todo respeito, me senti em casa. Adoro palavras e sabores com todo sentimento que encontrei por aqui.
    Desejo voltar e que mesmo sem te conhecer, que você continue se inspirando em suas paixões, pois tenha certeza de você é mesmo abençoado.
    Beijos

  • Miriam diz:

    Mas quando a gente deixa as coisas irem, pra onde a gente vai?
    Adoro essas cartas!

  • Mychelle diz:

    “Talvez esse meu desapego seja um pouquinho radical”… Nao, nao é!
    Um dia um homem cheio de Deus também fez isso, e olha o que ele disse: “esquecendo-me das coisas que para trás ficam e avançando para as que diante de mim estão, prossigo para o alvo…” (Fp 3.13-14)
    Apesar de não conhecê-lo, torço por você nessa nova jornada com mais leveza e que os espaços agora vazios sejam preenchidos por novos lindos momentos.
    Abraços.

  • Silvia diz:

    Gui, como você faz pra desapegar das pedrinhas? Porque o que mais dói é o peso que a gente coloca nelas… Tenho que retirar uma pedra da minha mochila da vida (e virar a página), mas a cada dia que passada ela está ganhando toneladas! Como você administra suas lembranças e não deixa que elas mudem o peso das pedras? Isso tem sido uma luta diária pra mim, fazer com que as coisas tenham sua real importância…
    Ah, suas cartas são a coisa mais linda do mundo!
    Beijos de sua vizinha de Contagem :)

    • gpoulain gpoulain diz:

      olha Silvia, isso é uma coisa que você mesma quem vai ter que aprender como fazer, na sua vida, sabe? acho que é um exercício constante de se preocupar menos com as coisinhas. tento não fixar muito nas lembranças, pensar mais no presente. dói muito quando a gente fica pensando que já passamos momentos melhores. é gostoso pensar nisso, mas aí depende da sua fase de vida. por exemplo: pra mim está bem doído pensar em tudo que larguei em Paris. mas stô me fixando no aqui e agora, no que preciso fazer e planejar, sempre com pessoas que amo em volta. tento não pensar muito naquilo que foi lá pra eu não sofrer. que deixe por vezes vir as lembranças. mas não fixar muito nisso. por isso também joguei fora muita coisa que eram lembranças pesadas. é um trabalho que você mesma tem que ir descobrindo! beijos.

  • Letícia diz:

    Esbarrei um dia desses no seu blog e não larguei mais. Adoro as suas cartas! Não sei como expressar em palavras, mas ,pra resumir, elas fazem um bem danado pra mim e pros meus amigos porque sempre que as leio sinto a necessidade de espalhar esse bem pra todo mundo =)
    Muita luz na sua vida!
    Um abraço.

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