carta amarela #96 – casa aberta

carta amarela #96 – casa aberta

Belo Horizonte, 25 de novembro de 2014

Querida amiga,

Quando cheguei em Paris você tinha se mudado há pouquinho tempo. Uma excitação ímpar de conseguir comprar o primeiro apartamento. De ter ajudado a demolir uma parede, de ter construído outra. De procurar o sofá ideal que também coubesse no orçamento. De encher a casa de plantinhas, e com elas, vida.

Pra mim, assim como pra todo mundo que entra na sua casa, a primeira impressão é a de surpresa com a vista. Mesmo que de longinho a gente vê dali a torre Eiffel, a Sacre Coeur, a torre de Montparnasse, a Notre Dame, o Pantheon, La Défense. Em meio a todas as janelas de Paris que normalmente dão para outros prédios, sua vista dá pra sentir o mundo.

Me lembro bem, era 9 de setembro. Uma terça-feira qualquer quando te escrevi chorando. Um calor insuportável de verão tomava conta da cidade. Não sabia pra onde ir em Paris após o fim do meu relacionamento. Você em toda sua felicidade de estar morando sozinha no recém comprado apartamento me convidou pra morar com você. Morri de vergonha. Quis dizer não, mas eu sabia que meu coração estava buscando um pouco de abrigo debaixo das suas asas. Tive medo de incomodar, de ser chato, espaçoso.

Você me mostrou nosso bairro, seus bares, sua padaria preferida. Me ensinou a atravessar aquele parque tão gostoso para chegar até a Rue de Ménilmontant. Me fez conhecer seus amigos. Eu conheci sua garota sorridente, você conversou sobre bricolagem com meu novo homem. Eu ouvi a sua música e você ouviu a minha também. Muitas vezes elas se coincidiam nos mesmos cantores e bandas. Sabe, amigos com quem compartilhar fones de ouvido são raros.

O tempo passou e tudo parecia tão simples, tão fácil, tão livre. Você chegava do trabalho e eu cozinhava o jantar. Eu ria e dançava enquanto você fazia sua ginástica. Jantávamos juntos conversando coisas que a vida nos ia encaixando a cada momento. Falamos sobre amores errados. Sobre finais impossíveis de filmes. Sobre o frio que começava a entrar pelas gretinhas da janela. Eu chorei, você estendeu o ombro. Você chorou, e eu te apertei com muita delicadeza sobre meu peito. Dançamos eternamente em sextas-feiras que pareciam feitas só pra nós dois. Gritávamos letras da Rita Lee pela sala e uivávamos na janela como se fossem as coisas mais sensatas a se fazer. Ouvimos muita música de fossa de quem foi adolescente dos anos 90 pulando em sua cama morrendo de medo que ela quebrasse. Deitávamos pra dormir nessa mesma cama, cada um do seu lado, cada um com seu livro. Cada qual também tendo seu próprio momento. Nos despedíamos a cada noite com um abraço dos mais afetuosos, num desejo de que aquelas boas noites não se acabassem nunca.

Somos pessoas guiadas pelo coração. Você ainda consegue ouvir a razão, enquanto eu solenemente a ignoro. Talvez por isso eu tenha tantos altos e baixos. Acho que eu nunca tive um relacionamento tão bom com nenhum namorado como esse pequeno “casamento” que vivemos. Você sabe, eu tenho uma dificuldade enorme em viver sozinho. Na hora em que peguei o táxi para o aeroporto não aguentei. Esse pequeno momento no pequeno apartamento sempre vai ser um dos grandes momentos que guardarei comigo. Foi ali em que eu finalmente descobri o que quero pra minha vida.

Nas palavras de Cristian Bobin que deixei gravadas na parede do seu apartamento ele diz “As casas são como as pessoas, elas tem sua idade, seus cansaços, suas loucuras. Ou não, são as pessoas que são como as casas, com sua adega, seu sótão, suas paredes e, por vezes, de tão claras janelas que dão sobre tão belos jardins”. Se você é como sua casa, é das mais lindas: pequenina a ponto de caber só o que interessa e quem interessa; delicada em cada cantinho que você construiu com suas próprias mãos; cheia de vida como cada plantinha que você cuida ali com tanto carinho; com a janela que tem, pra mim, a melhor vista de Paris. Sempre aberta. Aberta pro mundo, aberta pra vida. Aberta pra mim.

Meu coração estará aqui sempre aberto pra você também.

Um grande abraço, uivando pra lua, dançando juntinhos, cozinhando histórias infinitas.

Gui

 

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