carta amarela #94 – fratura exposta
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Paris, 23 de outubro de 2014
Queridos amigos,
Sei que a vida não é fácil. Sei que é um constante esforço e nesses quase 30 anos de vida já vivi muita coisa. Também tenho muita coisa ainda pra viver. Não costumo ser tão aberto sobre minha vida aqui no blog porque acho que a gente tem que guardar algumas coisas pra si mesmo, mas ao mesmo tempo senti que preciso desabafar. Na virada pra 2014 lembro de um grande amigo me dizendo: “Gui, 2014 vai ser o seu ano!” Sorri meio tímido, mas eu sentia que seria um ano bem transformador na vida de alguma forma.
A vida nos meus últimos dois anos tem tido o seguinte dilema: Minha grande vontade era vir morar definitivamente em Paris. Sei que muita gente não “sente” a cidade, mas eu não sei explicar a minha relação com ela. Eu me sinto bem aqui de uma forma que eu nunca me senti em lugar algum, não sei explicar. Aqui não é melhor que outro lugar, a França não é melhor que o Brasil. Acho que cada um se sente e se acha em algum lugar. Achei grandes amigos aqui, vivi um grande amor aqui, acho que minha forma de viver coincide muito mais da forma que os franceses vivem que os brasileiros. É estranho dizer isso mas me sinto meio um peixe fora d’água em BH. Nesse meu último ano e meio em BH eu quase não saí de casa. Eu simplesmente não tinha vontade de fazer nada. Mas ao mesmo tempo, profissionalmente eu vi minha vida entrar em ascensão no Brasil: tudo estava se encaminhando super bem. E eu não sei o que fazer profissionalmente em Paris. Ficou essa grande dúvida: me dar bem na profissão no Brasil mesmo não vivendo onde eu gostaria ou largar tudo e talvez ter que me contentar em ter um trabalho que eu não queria na cidade que eu queria viver?
Aí que entrou a coisa do amor. Agarrei de tal forma no relacionamento que coloquei como objetivo voltar pra cá. Pra mim o relacionamento à distância estava funcionando até bem. Eu tinha o objetivo de voltar e pra isso trabalhei dia e noite, sempre com o alentozinho de que alguém me esperava aqui. Acho que talvez por isso também meu fim de relacionamento tenha sido tão duro: além de perder quem eu amava, meu objetivo também se esfacelava ali na minha frente. Talvez por querer tanto eu mesmo acabei com meu relacionamento: eu parei de cuidar de mim mesmo.
Vejo todo mundo me dizendo que sou talentoso e coisa e tal. Mas eu mesmo não consigo ver isso. Sempre acho que meus desenhos poderiam ser melhores; que minhas receitas poderiam ser ainda mais saborosas; que meus bolos poderiam ser mais bonitos; que meus textos poderiam deixar de ser frases que me vêm à mente pra serem bem escritos. Me acho mais esforçado do que talentoso.
Todo mundo me pergunta cadê o livro, e acho que preciso desabafar sobre isso também. Eu ia lançar por conta própria, mas numa dessas coisas do destino precisei destinar todo o dinheiro que eu tinha guardado pra um outro fim. Fiquei quase sem recursos – não gente, eu não estou numa vida de rei aqui na França, conto todos os meus centavinhos de euro. Recebi uma proposta legal de uma editora que eu sempre admirei, mas não sei também até onde isso vai chegar. Então por mais que eu tenha todo o projeto praticamente pronto, não sei ainda quando ele sai.
Nos últimos tempos pensei em acabar com o blog. De uma paixão ele acabou crescendo e me tomando tempo. E acabou virando quase uma obrigação, um trabalho. Comecei a postar mais por obrigação de ter algum conteúdo e menos porque eu realmente queria escrever aqui. Sei que quase não ganho dinheiro aqui, mas ele sempre foi minha porta de entrada pra vários trabalhos por fora. E os muitos comentários fofos que sempre recebi, os e-mail lindos de histórias tão bonitas, tudo isso sempre me deu alento pra continuar. Um calorzinho gostoso.
Sei que meus problemas são mínimos perto de coisas muito mais sérias que muita gente vive, e sempre vou me sentir grato por tudo que a vida me ofereceu. Por vezes a gente se sente num buraco desses que a gente acha que não consegue sair, mas eu sei que, com esforço, as coisas vão se encaminhando novamente. O que eu aprendi é que qualquer busca é válida. Talvez de todas as minhas tentativas, profissionais ou pessoais, acho que a mais importante tenha sido esta: partir sempre de um ponto muito pessoal ao começar um novo projeto. Canalizar todos os questionamentos e transformar nisso um recurso pra pensar a vida.
Aprendi recentemente que tragédias sempre rodeiam aquilo que a gente ama. Pessoas que a gente ama se vão. Projetos dão errado também. Demorei, mas entendi que tudo na vida tem um fim também. Talvez sabendo que nada dura para sempre seja o jeito de realmente amar as pessoas, coisas, lugares e momentos da melhor forma possível. E é talvez daí que vem o meu maior encantamento pela vida, por uma vida que merece ser muito mais que um trabalho pesado, por uma vida mais leve onde os amores se confundam, onde a gente tenha a certeza que cada fim também é um novo começo.
Um abraço apertado, cheio de incertezas, mas certo de novos começos.
Gui
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