carta amarela #73 – menos medo, mais amor
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Belo Horizonte, 30 de janeiro de 2014
Queridos amigos,
No começo da semana tive uma reunião com uns executivos que se assustaram com meu jeito “aberto” de ver a vida. Pouco depois, fui gravar um video e entrou na roda entre algumas pessoas uma discussão sobre a “imagem” que eu preciso passar para as pessoas. E culminou no último teaser do programa, onde recebi alguns elogios como “bichinha”, “louca”, “espalhafatosa”.
Acabei pensando numa música da Madonna:
“Girls can wear jeans and cut their hair short, wear shorts and boots, cause it’s ok to be a boy. But for a boy, to look like a girl is degrading, cause you think that being a girl is degrading.”
(Garotas podem usar jeans e cortar o cabelo curto, usar shorts e botas, porque é ok ser um garoto. Mas para um garoto, parecer uma garota é degradante, porque você acha que ser uma garota é degradante.)
Lembrei de quando escrevia sobre moda masculina no Chata de Galocha, e os comentários, quase sempre de mulheres, eram coisas como: “Não queria ver meu marido usando esse tipo de roupa”, “Achei esse casaco que você postou muito afeminado”, e por aí vai. Foi nessa época que percebi que o preconceito é tão grande nas mulheres quanto nos homens. É aquela mesma mulher que ama ter um melhor amigo gay mas nunca queria que o filho o fosse.
Os homens parecem (e querem) ter um universo muito mais delimitado e menos livre para agir e parecer. Estão dentro daquilo: precisam reproduzir concepções de poder físico, de controle, virilidade, conquistas profissionais, papéis familiares patriarcais. E ponto. Por que a gente não pode demonstrar tanta sensibilidade? Por que não podemos gostar de futebol e costura ao mesmo tempo? Que peso é viver assim! Há homens ainda por aí, arrotando pelas ruas ou mesmo espancando gays pra mostrar que ainda sabem o que são. Mas sabem mesmo?
Os homens precisam ser mais corajosos. E as mulheres precisam estar à altura desse novo homem, deixando de lado aquele ideal antigo de homem provedor. Sim, por mais que muita mulher se ache feminista, na hora de escolher um homem vão fundo naquele que acham com “mais cara de homem”. Não são as mulheres mesmo que querem ser independentes e homens menos machistas? No fundo, todo mundo se trava muito por duas coisas: pelos conceitos e tradições enraizados na mente e pelo medo do que vão pensar de nós. Continuamos na vida seguindo tradições que não fazem mais sentido hoje em dia (aliás, pra mim nunca fizeram sentido). Estamos muito acomodados ao que a gente considera ser ‘normal’. Coco Chanel usava calças há quase 100 anos e todo mundo achava um absurdo. Eu tenho um vestido no armário e não posso usar porque as pessoas vão me julgar?
Eu não falo disso tudo apenas pela forma como as pessoas me vêem fisicamente. A palavra gay significa, em bom português, ALEGRE. Pra mim não existe melhor palavra que me represente. Se é pra colocar um rótulo em mim, como as pessoas tanto querem, que seja esse: alegre. Porque deixei de ser a pessoa triste da adolescência, trancado entre tantos medos de ser quem eu era. Um adolescente que cantava Destiny’s Child trancado no quarto mas que na escola dizia gostar de Red Hot Chili Peppers. Sim, clichê. A gente é mesmo cheio deles. Eu também sou uma pessoa com preconceitos. Eles vão fundo também na “classe”: A maioria dos gays não quer andar/namorar com gays “afeminadas”. São as que mais tripudiam os próprios gays por aí. É triste. O mundo é cruel.
Quando eu era pequeno e voltava pra casa chorando de ter apanhado minha mãe me disse que se eu chegasse em casa de novo assim eu ia apanhar de novo dela. E me ensinou a fazer o que fosse, que mesmo se eu não soubesse como bater ou mesmo nem tinha força pra bater, que eu podia unhar, puxar cabelo. Mas nunca voltar pra casa chorando. É essa a mesma força que tenho hoje em dia e agradeço muito a minha mãe por me ensinar a ser forte também.
Aprendi desde pequeno a ter coragem pra lidar com a vida. Se eu não falo sobre o tema normalmente por aqui, é porque eu encaro tudo isso na minha vida da forma mais natural possível. Pra mim é natural e normal ser quem sou, e por mais que sei que a maioria estranha essa imagem que eu passo da vida, eu sou feliz sendo assim. Queria um mundo mais cheio de Raveis e menos de Felicianos. Eu sou sim orgulhoso da pessoa que sou, e mesmo assim sei que tenho muito a ser melhor. São as pessoas corajosas que mudam o mundo. Você pode me perguntar: Você não tem medo de apanhar na rua e mesmo morrer? Seria mentira se eu dissesse que não. Mas eu não vou deixar de andar de carro ou avião com medo de morrer em um acidente. Não vou deixar de ir na padaria a pé pois algum pivete vai me assaltar com um caco de vidro na mão. Quanto maior o medo, maior o cárcere que nós mesmos nos encerramos. Ao menos estou vivendo. Pois viver com medo não é viver.
Um abraço, com o afeto de sempre em cada palavra,
Gui
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