carta amarela #67 – o comodismo, as inseguranças e a vida mediana
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Belo Horizonte, 23 de outubro de 2013
Queridos amigos,
Lembro-me quando assumi, há alguns anos, que dentre minhas várias dificuldades, me complico por não ter foco. Na época eu empilhava um dia no outro, uma pessoa na outra, uma festa na outra e por aí vai. Me perco, enfim. Tenho alegrias infladas, raivas explosivas e tristezas corrosivas. As mágoas são grandes também. Fermentam. Mas somem.
Acredito que todo mundo tem um grau mais ou menos parecido de inseguranças. Todo mundo se pergunta no fundo no fundo se é amado, se é bom o bastante, se merecerá as coisas boas na vida. Todo mundo. Mesmo assim, as pessoas se comportam de forma diferente. Tem gente cheia de si, mais falante, que se expõe de forma mais direta. Tem as pessoas quase transparentes, ouvintes, observadoras, fechadas. No meio desses estereótipos estamos nós todos. Eu, por exemplo, falo pelos cotovelos simplesmente por não conseguir ficar calado. Mas e aí? Aí que a pessoa nunca vai ouvir o mesmo nível de feedback que ela joga no mundo. Ela fala muito mais “eu te amos” do que ouve, ela joga muito mais elogios do que recebe, ela aparece pros outros muito mais do que é procurada. Simplesmente porque ela é uma pessoa, digamos, mais barulhenta que as outras.
Dia desses li que os maiores desejos dos adolescentes e dos jovens são: morar no exterior, fazer trabalho voluntário, escrever um livro e morar na praia. Desses o único que eu não fiz foi o último, mas confesso que tinha sim um pouco desses desejos. Quando mais novo eu queria mudar minha vida e também mudar o mundo. Só que eu não pensava que pra mudar o mundo eu tinha que começar mudando eu mesmo.
A gente vai envelhecendo e as prioridades vão mudando: a maioria quer uma carreira estável, uma casa, uma família, um carro na garagem. E entramos naquele comodismo da vida mediana. A falta de foco continua aqui: Os dias vão se empilhando um no outro, um trabalho no outro, a mesma rotina em cima de rotina. E aí um dias as pessoas se acham velhas demais pra fazer qualquer coisa. Já falei aqui em outra vez que as experiências moldam as pessoas, as dores viram calos, a gente adota muletas e tudo vai ficando menos natural, menos bonito. Já repararam como muitas da pessoas mais para o fim da vida reclamam de tudo, acham tudo ruim e são rabugentas?
Temos aversão ao risco: A gente aceita o que nos dizem. Acreditamos em muitas das coisas que vemos na TV ou lemos nas revistas e jornais. Faça o que os outros fazem e sentirá seguro. E essa segurança normalmente vem daquele mesmo buscar a própria casa, o próprio carro, o emprego estável… E as pessoas trabalham pra que? Pra comprar. Já tem a casa? Ah, mas poderia ter um apartamento de cobertura. Já tem o carro? Bom, quer um carro melhor. E não só isso. Está triste? Nada melhor que torrar um dinheirinho numa roupa nova, num gadget novo… E a vida vai passando. As viagens viram empilhados de fotos e compras, de conhecer aqueles mesmos lugares que todo mundo tem que conhecer, e menos aventuras.
Não quero dizer aqui que quem vive assim é infeliz, mas a gente se assenta no comodismo, na segurança e simplesmente vive uma vida mediana. As ideias não convencionais assustam sim. As pessoas elogiam aquele cara que com pouco dinheiro visitou todos os países do mundo, daquela escritora (que até virou filme), que largou a vida de todo dia pra ir comer, rezar e amar… Acham lindo, sonham e só. Mas não é cair no mundo que vai mudar sua vida, ou mudanças bruscas. Mas mudar, começar a pensar diferente, mudar coisas da rotina e do dia a dia. Trocar de emprego se estiver infeliz. Deixar de ganhar muito dinheiro por um emprego que permite viver mais tempo com a família. A minha vida tá correndo. E a última coisa que quero é virar um velho ranzinza, rabugento em que a vida virou um branco e preto.
Um abraço apertado, cheio de cores,
Gui
Foto: Fabrice Reveilhac
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