carta amarela #64 – desembarque

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Belo Horizonte, 30 de setembro de 2013

Queridos amigos,

O sono insistia em fechar meus olhos. O cansaço, a saudade, as lágrimas, a mochila pesada. Tudo pairando sobre os ombros. Procurei um lugar para sentar. Não achei. Precisava esperar. Retirei a mochila das costas, peguei o livro. Repousei-a sobre meus pés e fiz um pequeno alongamento com o pescoço. Abri o livro no ponto marcado e me pus a ler. Pessoas falavam alto atrás de mim. Na frente. Dos lados. Uma senhora quase implorava um assento, mas uma jovem parecia não ouvir, disposta a aumentar o som que estava dentro de seu fone de ouvido.

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Passou desajeitado alguém com malinha de rodinhas pelos meus pés, derrubando minha mochila. Esbarraram-me. Cutucaram-me. Olhei para cima e na tela vi que finalmente entraríamos no avião. Uma fila enorme se formou logo à minha frente. Pessoas afobadas em entrar no avião, como se não houvesse lugar marcado. Impacientes com a demora da fila. Como se o avião ainda não demorasse trinta minutos para partir. Atendentes gritavam: “documento de identidade e passagem em mãos”. Havia aqueles que ainda tinham o documento guardado na carteira, ou pior, numa bolsa daquelas que cabem um quarto inteiro, ao chegar sua vez. E os de trás reclamavam. Entramos apertados no ônibus que levaria ao avião.

Subimos as escadas, chovia vagarosamente. Mulheres cobriam as cabeças com qualquer coisa que estivesse em suas mãos, e passavam apressadas, quase derrubando os outros. Tinham que chegar antes de todo mundo na parte coberta. Cintos atados, aviso de desligar os celulares. Os comissários de bordo ainda precisavam passar de fileira em fileira, num quase implorar pela própria segurança dos que ali voariam.

É chegada a hora do lanche. Na minha esquerda alguém disse “Coca-cola”. Na direita, “Suco de laranja”. Na minha vez, “água, por favor”. Ao entregar o pacotinho de 15 g de biscoitinhos, alguns suaves gemidos de reclamação. Nenhum obrigado dito ao receber o lanche.

O avião pousou. Antes mesmo que parasse, muitos cintos desafivelados. Pessoas levantando e pegando sua bagagem de mão. Reclamações pela demora em poder sair do avião. “Preciso trabalhar”, “preciso chegar em casa e não abrem essa porta”, escuto. Ninguém dá passagem. Espero ali, ouvindo um suspiro impaciente de quem estava ao meu lado e não entendia porque eu não entrava bruscamente na frente de alguém pra sair dali.

Esperei minha mala. Aliás, esperei que me dessem um espacinho pra chegar até a esteira. Peguei a mala e saí. Um abraço gostoso me esperava, finalmente. Ao contrário dos mal humorados que acharam ingratas aquelas horas de aeroporto e avião, sorri e agradeci o fato de dispor de um transporte rápido para as longas distâncias que por vezes preciso viajar. E grato também por ter um sorriso e um abraço pra me acalentar depois desse gélido passar de pessoas que eu acabara de vivenciar.

Um abraço gostoso com anseio de menos pressa, ansiedade, reclamações e um pouquinho mais de gentilezas.

Gui

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