carta amarela #34 – il fait gris

Paris, 23 de setembro de 2012

Queridos amigos,

Se outrora os dias eram vívidos e as nuvens mal perambulavam pelo céu, essa semana o tempo foi cinza. Quando alguém diz aqui ‘il fait gris’, na verdade quer dizer ‘está nublado’, mas na minha cabeça eu ouço: ‘faz cinza’. Se algum dia me faltarem as cores, escolherei o cinza. Talvez no meio do caminho de onde não há cores e de onde todas elas se refugiam. A gente pede muito preto no branco e talvez não conseguimos relaxar. Talvez seja esse mesmo o outono, entre os radiantes dias de verão e os escuros dias de inverno.

Num desses dias no edredom, com febre, Jeffrey Eugenides se encarregou de me dar uma pedrada:

“Depois da primeira confissão, ‘eu te amo’ não quer dizer mais nada…”

Entre lamúrias de Madeleine (a protagonista do romance) me peguei pensando nessas palavras. Depois daquele primeiro “eu te amo”, na nossa cabeça essas palavras no fundo, no fundo, perdem o sentido. É que a gente reclama muito do mundo. Esquece de pensar no que temos pois no fundo queremos mais, queremos outra coisa. Talvez as relações mais gostosas se deteriorem porque ao invés de estarmos felizes ali sempre encontramos defeitos, pequenas razões para encrencar com as pessoas. Parece que o que está com a gente todo dia deixa de fazer a gente feliz. No fundo vivemos um tanto insatisfeitos.

E nisso peguei pensando em como nos dias mais frios sentimos falta de ter alguém ali do lado, embaixo do edredom ainda frio na hora de dormir. E talvez se a vida por hora vai ser de solidão, é bom que a gente se acostume. De alguma forma cada verão anuncia um inverno. Mas também, cada inverno anuncia um verão.

Um abraço pedindo a volta das cores,

Gui

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  • Mariana diz:

    gui, sempre acho impressionante como seus textos refletem o que estou sentindo no mesmo momento…
    lindo, lindo!

  • Compartilho um dos meus primeiros escritos no meu blog. Um dos primeiros e um dos meus preferidos (e olha que é difícil eu preferir algo que escrevo… hehehe):

    “Passava todos os dias por aquela rua.
    Olhava de um lado para o outro, encantada.
    Seus olhos brilhavam para cada objeto novo que via.
    Porque sabia de cor o que era velho e o que era novo.

    Sorria para um ou outro vendedor.
    Principalmente aqueles que ajeitavam os manequins.
    E deliciava-se ao som de bonecas falantes,
    cujos sons se repetiam por toda a rua.

    Não comprava nada, só desejava.
    E, pra ela, não havia nada melhor que o desejo:
    Preferia não ter e querer pra sempre,
    do que ter e não querer mais.”

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