carta amarela #30 – delicadeza

Belo Horizonte, 22 de agosto de 2012

Queridos amigos,

Era um fim de tarde de terça-feira. Um dia ensolarado, já mais próximo do fim de inverno. Não muito frio nem muito quente, um dia desses dos mais agradáveis. Saí de casa em direção a uma das minhas padarias preferidas. Ela fica a alguns bons quarteirões de casa, mas naquele dia não me importava em andar bastante até ali. Ao chegar na padaria, haviam poucos pães. As pessoas reclamavam: “Mas que padaria é essa que faz os clientes esperarem?”. Passei por eles e cheguei diretamente na parte de salgadinhos. Ah, eu queria me esbaldar em comer coxinhas. Havia uma mulher na minha frente. Esperei pacientemente atrás. Pisquei os olhos e uma outra mulher entrou na minha frente. Fiquei levemente irritado, mas não falei nada. A mulher esbravejava impacientemente que a atendente não conseguia nem pesar “quinhentas gramas” de pasteizinhos. Pensei comigo: “pelo menos ela não está assassinando o português como a senhora”. Permaneci quieto. Pedi meus quatrocentos gramas de coxinhas e saí feliz da vida de volta a parte de pães, para comprar pão francês para minha mãe.

Em meio a umas quatro pessoas que se digladiavam para escolher os melhores pãezinhos, escolhi os meus, discretamente. Para mim todos pareciam iguais, mas aparentemente eu era o único a não achar defeito em pelo menos metade. Fui para a fila pesar, onde novamente alguém deu seu ‘jeitinho’ de entrar na minha frente. Ao pesar meus pães, sorri para a atendente e disse: “Boa tarde”. Ela me respondeu com um: “PRÓXIMO!” tão estridente que devo ter feito a careta mais feia do mundo. Paguei meus pães, e ao sair, um mendigo me pediu dinheiro. Não dei, mas perguntei se ele gostaria de comer um dos meus pães. Ele virou a cara, resmungando qualquer coisa.

Já um pouco menos feliz do que quando saí de casa, atravessei com certa dificuldade a Aimorés. Fiquei mal acostumado a qualquer carro parar para mim quando estou na faixa de pedestres, ao viver alguns meses fora. Ninguém parou. Quem conhece sabe como é difícil atravessar aquele cruzamento da Aimorés com a Maranhão. Resolvi descer pela Maranhão. O dia continuava lindo. Aquelas ruas do bairro Funcionários, arborizadas, sempre me faziam sentir bem. Quase chegando na Carandaí uma senhora, já velhinha, atravessava a rua, na faixa de pedestres. Um carro passou correndo, buzinou três vezes e quase a derrubou no chão. Assustada, derrubou sua sacola de pães de queijo. Ajudei ela a catar e fiz questão de ajudá-la a terminar de atravessar a rua. Dona Marta, o nome dela. Deu um sorriso e me agradeceu. Tinha ido comprar pães de queijo para o neto que ia visitá-la mais tarde. Ele quase nunca a visitava, mas quando o fazia ela gostava sempre de coar um café quentinho e servir uma cesta de pães de queijo, em uma simples demonstração do carinho que ela tinha por ele. Não conversamos muito, mas ela deu dois tapinhas de leve no meu ombro e me desejou um bom fim de dia.

Abri o meu melhor sorriso. Enxerguei ali naquela senhora minha avó já falecida e fiquei com os olhos cheios de água ao lembrar quantas vezes ela enchera a mesa de roscas e pães de queijo a me esperar.

Não sei onde exatamente as pessoas esqueceram as pequenas delicadezas. Reclamam dos políticos, reclamam dos pães. Criticam terem usado a imagem da Iemanjá pra representar o Brasil no encerramento das Olimpíadas. Criticam as crueldades que Carminhas da vida fazem, mas não enxergam que são os próprios pequenos vilões no mundo real. Trabalham muito e talvez por isso se sintam no direito de serem tão apressados e descortezes em tudo na vida. Aquelas pessoas na padaria, a atendente, o motorista do carro provavelmente chegaram em casa e resmungaram sobre o seu dia. E Dona Marta? Ah, ela deve ter sentido a maior felicidade do mundo só com um abraço do neto. Essa sim sabe viver.

Um abraço, desses que só avós sabem dar,

Gui

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  • Paulinha diz:

    Que coisa mais linda… emocionada de novo!

  • que delicado, assim como a dona marta <3

  • delicado, assim como a dona marta <3

  • Luciana diz:

    Você expressou com palavras uma coisa que venho sentindo há tempos.
    Emocionei, viu?
    Obrigada por trazer tanta delicadeza pro meu dia :)

  • Didi diz:

    Um bom dia para você, Guilherme! Delicadezas valem a pena.

  • diz:

    Perceber as delicadezas do cotidiano é um dom.. e uma benção.
    Continue sempre assim Gui e trazendo essas delicadezas pra nossa vida!

  • pitgat diz:

    Amei o relato! Tambem penso assim. Nao custa nada ser gentil, e o que recebemos em troca – nossa propria alegria ao fazer isso – compensam muito.
    Vou cita-lo no meu blog, posso? Umas palavras que achei no site anapaulapedras.com.br – e um bom dia pra vc, obrigada pelo relato!

  • Danielle diz:

    Vc escreve lindamente!

  • Sou destes que presta atenção nos raios de sol por entre as folhas das árvores enquanto caminho feliz escutando música. Feliz até a primeira arrogância do dia. Sinto falta de sutileza e cortesia nas pessoas. Parecem estranhar as boas maneiras. É incoveniente ser gentil? Pois vou continuar abrindo sorrisos até que todos reparem no sol por entre as folhagens.

  • Rodrigo diz:

    Olha que engraçado … rs … minha avó esta aqui , logo ali na minha frente … perguntando pq estou olhando pra ela e rindo … rss
    Vô João e Aninha … minhas referencias pra toda vida !
    Vou ali dar um beijo nela …
    Se cuidae .

  • a gente fica sem palavras com um texto desses… deliciosamente sem palavras!

  • Nossa, confesso que meu dia também seguiu essa linha, de maus tratos por estranhos.
    Mas só de ler seu blog, me lembro que ainda existem pessoas maravilhosas, e que a vida não tá tão ruim como a gente pensa né? ahaha
    Fazia uns dias que eu não passava por aqui, me fez falta!
    Um abraço de Vó pra você!

  • Luisa diz:

    Engraçado pensar que posso te encontar qlqr dia desses no mesmo ritual diário pelo pãozinho nosso de cada dia, na mesma padaria que frequento! Pq assim, sem te conhecer, eu já te conheço tanto, né!? E aaaaaaaaaamo esse blog, suas receitas, já testei muitas mesmo! E sempre arraso!
    Beijos

  • Mais uma reflexão linda e verdadeira…..Atualmente as pessoas se acostumaram a se queixar do mau humor alheio e esqueceram de prestar atenção no próprio humor.
    Mais delicadeza e paciência em nossos dias :)

  • Talita diz:

    Li TODAS as suas cartas amarelas rapidinho, fantásticas! Seu jeito de escrever é verdadeiro e envolvente, adorei! Publica o livro que vc escreveu, muitos com certeza vão amar. Sucesso com os doces!
    Ah, e minha cor preferida é o amarelo, sempre :)

  • Cibele diz:

    Gui,
    Faz algum tempo, encontrei seu blog e me identifiquei… também sou confeiteira, também amo Paris… :) Adoro ler seus textos, já me sinto sua amiga mesmo sem te conhecer. Lindo o que você disse sobre a gentileza! É tudo verdade! As vezes, a gente se pega afundando nessa negatividade toda que nos rodeia, mas basta um pequeno gesto de delicadeza que tudo já parece melhor! E é simples, não é? É só questão de decidir! Que bom ver que tem gente que decide melhorar um tiquinho o mundo! Um grande beijo!

  • Florence diz:

    Oi Gui,

    Não te conheço, mas entro no seu blog tem tempo! Há um tempo até vi que você conhece uma amiga minha, a Fabiana!
    Nunca comentei aqui, pra precisava dizer que adorei seu texto!
    Você escreve super bem, tem uma sensibilidade incrível! Sempre me emociono por aqui (além de dar uma vontade louca de saber cozinhar de fato! haha).
    Outro dia vi um programa culinário que me lembrou daqui, chama Little Paris Kitchen (http://www.youtube.com/watch?v=BuQ5TzyLzMk)! A menina que apresenta é uma fofa e tem todo um clima aconchegante bem parecido com o blog!

    Beijo!

  • Florence diz:

    Oi Gui,

    Não te conheço, mas entro no seu blog tem tempo! Há um tempo até vi que você conhece uma amiga minha, a Fabiana!
    Nunca comentei aqui, mas precisava dizer que adorei seu texto!
    Você escreve super bem, tem uma sensibilidade incrível! Sempre me emociono por aqui (além de dar uma vontade louca de saber cozinhar de fato! haha)!
    Outro dia vi um programa culinário que me lembrou daqui, chama Little Paris Kitchen (http://www.youtube.com/watch?v=BuQ5TzyLzMk)! A menina que apresenta é uma fofa e tem todo um clima aconchegante bem parecido com o blog!

  • Alessandra diz:

    Olá Gui, sempre dou uma passadinha por aqui, e já li alguns textos seus, mas este foi o que mais me identifiquei.
    Parabéns pelo site, ele é tão agradável e sincero!
    Obrigada

  • Carol diz:

    Me deu vontade de chorar :( não é a toa que a fama dos brasileiros só piora, aqui no Japão vc fica sabendo de cada coisa que os brasileiros aprontam, a falta de educação até assusta os japoneses, eu estou tentando fazer minha parte em deixar uma boa imagem mas confesso que está cada vez mais complicado!
    Um grande abraço ^.^

  • Lu diz:

    Meu Deus!!!É exatamente assim q me sinto ao visitar BH(minha cidade natal).Será q sempre foi assim e eu só percebí depois que fui embora ou será que as coisas mudaram?

  • Marina diz:

    Oi Gui! Suas cartas amarelas arrasam mesmooo, seu blog e demais!!! Te vi na casa infinita esse sabado, morri pra ir falar com vc mas fiquei com vergonha! Parabens e continue emocionando a gente com as cartas e as receitas!!!

  • Maíra diz:

    Olá! Estou encantada e emocionada com suas palavras! É tão bom encontrar pessoas que pensam como a gente! E você escreve divinamente os seus pensamentos. Parabéns!

  • Natália Nássara diz:

    Que texto maravilhoso! Meus olhos se encheram de lágrimas enquanto lia. Taí a felicidade para quem pode enxergar: nas pequenas delicadezas do dia-a-dia…

  • Ana C. diz:

    Adorei o texto!! Eu moro a 2 quarteirões dessa padaria, e há meses eu e minha família desistimos de lá, o atendimento é ruim demais. E tem muita gente grosseirona (da pior laia, a de nariz em pé) que frequenta lá também. Quando quero comer algo gostoso prefiro pegar o carro e ir ao Trigopane. É tão bom ser bem tratada, ou simplesmente não maltratada! Bjo

  • Daniela diz:

    Oi Gui, hoje é a primeira vez que leio o seu blog, e confesso que amei. A descrição do seu dia foi lindo, facil perceber que você é uma pessoa de coração alegre e cheio de gentilezas. É muito triste essa constagtação de que as pessoas vivem rodeadas pelo seu próprio mundo e contaminadas pelos seus problemas. As vezes estaão preocupados com o “eu” que se fecham no egoísmo e não olham para o outro. Parabéns e espero que a sua gentileza descrita aqui inspire muitas e muitas pessoas a serem também gentis com os outros.
    Bjos,
    Daniela

  • […] Na minha rápida passagem pelo Brasil em agosto eu observei várias coisas num simples passar na padaria que antes de viver em Paris eu não reparava. Foi uma vivência que me fez enxergar as coisas com um pouco mais de afeto. E uma carta que eu gostaria que inspirasse as pessoas.  [a carta você lê aqui] […]

  • […] me pergunta a tão falada receita de pão de queijo da minha vó Pipida (já falei sobre ele aqui, aqui e aqui!). Posso até dar, mas, por experiência própria, eu mesmo não consigo fazer a receita […]

  • Patricia diz:

    Infelizmente a vida está bruta…
    Infelizmente as pessoas tb estão brutas…
    Estamos vivendo em uma gerra civil…
    Infelizmente…
    E a tendência é piorar…
    Infelizmente…
    Acho que é por isso que me fecho na cozinha, em volta do meu açucar…
    Felizmente…

  • Às vezes o dia tá uma merda mesmo. Um relacionamento que acabou na noite anterior, um amigo que disse coisas horríveis sobre você ao telefone porque ouviu um não, aquela guerra na TV que mexeu mais por dentro que se imaginava que pudesse mexer. Inevitavelmente, vez ou outra, acabamos por levar pra rua o que nos incomoda em casa, como se o cara da fila do pão que dá um boa tarde fosse culpado pelos nossos problemas.
    Faz um tempo já que coloquei na minha cabeça que, independentemente do dia de merda que eu estiver tendo, farei o possível para não fazer dele o de outra pessoa também. Continue sorrindo, e dando boa tarde, e oferecendo pão e mudando os caminhos se for preciso. A gente sempre encontra uma Dona Marta por aí. :)

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