carta amarela #14 – temperamento e chocolate
0 Flares
0
Facebook
0
0 Flares
×
Paris, 08 de maio de 2012
Queridos amigos,
Das coisas que sempre me passam muito à mente, uma delas é o temperamento. Pense na diferença que faz numa comida justamente o tempero. E é nisso que as vezes bato o pé quando peço uma erva fresca em uma receita é porque sei que aquilo faz toda a diferença no sabor final. E na vida é assim também não é mesmo?
Nas últimas semanas trabalhei com chocolate. Chocolate até enjoar. E vou lhe contar uma coisa: trabalhar com chocolate é difícil! Faz muita bagunça justamente temperar o chocolate. Ele precisa ser aquecido a tal temperatura, 2/3 precisa ser resfriado no granito e depois ser misturado energicamente até atingir outra determinada temperatura e assim ter o melhor ponto pra sua solidificação, com brilho.
Nos foi dada uma tarefa um tanto quanto complicada pros iniciantes que somos: fazer uma escultura de chocolate, tendo como base encaixar um ovo de chocolate de alguma forma nela.
E aproveito essa carta pra mostrar os resultados da minha classe. Acho que cada escultura reflete um pouco o que cada um é. E a convivência com as diversas culturas tem trazido novos temperos pra minha vida.
Isabelle é uma australiana bem espevitada, digamos assim. A mais novinha na turma é sempre quem nos arrasta pras atividades mais inusitadas. Minha companheira de canto durante as longas aulas na cozinha, ela ainda vai me ensinar a cantar todas as músicas do Kanye West. Amit, o israelense, é todo bonzinho. Tenho aprendido a ser mais gentil com ele.
Anh, vietnamita, é bem quietinha, mas nem por isso deixa de ser incrivelmente paciente com algumas técnicas que eu queria conseguir fazer mais rapidamente. Ótima parceira das aulas de Boulangerie. Heena, a indiana, sempre determinada.
Brittany. Uma das americanas. Com avó oriental, amo essa cara de americana porém com olhinhos levemente puxados. É de incrível doçura em tudo que faz. É das melhores alunas da sala. Stephanie é a outra americana. Mas pros íntimos ela é Steph Fierce. Seu sorriso ilumina a sala. “Sing for me, Gui” é quase seu bordão. Primeira pessoa no mundo que gosta de me ouvir cantar.
Lee, a coreana, foi minha primeira dupla na sala. Fala baixinho e é super companheira. Bastava eu piscar os olhos que ela até lavar minhas ferramentas a danada lavava sem eu ver. Alvin, da Malásia, é aquele tipo de pessoa que você simpatiza de cara. Fala (e faz!) as coisas mais absurdas. Me mostrou como juntou dinheiro pra vir morar em Paris vendendo coisas no E-Bay. Um dia vou aprender a lucrar com tecnologia com ele, ah se vou.
Patrycja, polonesa. ‘Mamoosh!’, vivemos a gritar pela sala. É como o filhinho dela a chama, e a gente também. Como uma mãe, sempre tem um conselho pra dar e com a melhor forma de conciliar certos pensamentos que as vezes surgem pela sala. Alta e sempre elegante, tem me ensinado a aproveitar melhor o tempo também. Yuan Yuan, chinesa, a mais metódica. Sempre quietinha, é das primeiras a terminar tudo e faz na maior eficiência.
Aaron, minha dupla atual, é de Taiwan. Sempre tem um comentário positivo pra fazer das minhas besteiras. Anda pra todos os lados com sua mega câmera (que incrivelmente não fica lotada de farinha de trigo como a minha), e tira as melhores fotos, que eventualmente aparecem por aqui.
Terminando, minha própria escultura. Nosso chef apelidou de ‘Bird from Ipanema’. Não sei em que ela realmente me reflete, mas a chamaram de ‘elegante e refinada’. Confesso que adorei esse elogio!
O que tenho buscado sempre na vida é o equilíbrio. A gente tempera um pouquinho ali, com uma dose de paciência. Apimenta um pouco numa hora de intimidade, e assim vai tornando a nossa própria vida mais saborosa. Assim como temperar chocolate, não é uma tarefa inicialmente fácil. Com o tempo a gente pega prática nas coisas. E os amigos estão ali pra, como diz um grande amigo, serem o ‘bacon da salada de jiló que é a vida’.
Um abraço todo melecado das porções de chocolate que caíram no meu avental,
Gui
0 Flares
0
Facebook
0
0 Flares
×