carta amarela #130 – a última
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Belo Horizonte, 7 de março de 2016
Queridx amigx,
Pense que a vida é feita de ciclos. Pense que esse amarelo é como aquele sofá, que um dia foi novo. Que todo mundo sentou nele pra bater papo. Que riu, derrubou vinho, virou pula pula das crianças dos amigos. Que talvez hoje precise de estofado novo, talvez seja doado. Mas vai estar sempre nas fotos daquela época.
Quando comecei um novo ciclo na minha vida, há mais de quatro anos, quis te escrever com frequencia, queridx amigx. Com medos, confissões e projetos. Pra quem lê de longe ou perto entender o que se passava por aqui.
Nesse tempo, descobri que oito horas contínuas de sono é um dos grandes prazeres da vida. Principalmente se você acorda não com despertadores, mas com beijinhos no pescoço de alguém que você gosta. Ou lambidas do seu cachorro. Nesses pouco mais de quatro anos, envelheci. É normal, os olhares vão diminuindo em relação a gente. E é justamente nessa hora em que nossos olhares talvez se dirijam a tudo. A gente fica mais sábio, mais observador. Comecei também a me preocupar menos com o que as pessoas pensam de mim. Quando a gente não se irrita com esse tipo de coisa, na verdade a gente consegue é saber muito sobre quem está falando sobre você. Você para de deixar conversas se perguntando o que aconteceu.
Fui percebendo que ninguém realmente “cresce”. Comecei a ver que quem escreve a maioria daqueles livros na livraria somos nós mesmos ou gente como a gente, não grandes intelectuais. Somos nós sendo os professores, ocupando altos postos, ou não. Todos tendo suas inseguranças. Se não for no trabalho, em outras partes da vida. Somos nós virando pais. E a gente vê que por mais sábio que a gente acha que é a gente no fundo não sabe de nada. Eternas crianças.
Entre amores e desamores vividos nesse tempo, vi que não existem almas gêmeas. Não daquele jeito que a gente vê nos filmes, ao menos. A gente tem um ou mais pares “quase perfeitos” pela vida. A gente constrói nos relacionamentos, com o passar do tempo, essa “alma gêmea”. Pego alguns gostos do outro, ele de mim, a gente vai aprendendo a se encaixar. Amo ver aqueles casais de velhinhos fofos que já aprenderam até qual posição abraçar o outro pra sentir menos das dores que o próprio corpo já foi tendo ao envelhecer.
Nesse tempo aprendi a perdoar os ex, ex-namorados, ex-amigos, ex-chefes, mesmo aqueles que me fizeram sofrer muito. No fundo eles estavam tentando também. Ou não, eram idiotas mesmo. Mas a vida é mais simples se você deixa ir, e vive bem com isso também.
Sempre existirão pessoas da sua vida que você nunca vai esquecer, mesmo que tenha passado poucos momentos com elas. Algumas amizades, por mais que o tempo, o timing, a distância tenha separado, vão ser sempre uma história pra contar. Ninguém é insubstituível, mas algumas pessoas são gratas recordações da vida. A gente nunca sabe o que a vida vai trazer ou levar embora da gente. E é assim que ela é.
Nesses mais de quatro anos passei dos 20 para os 30. É interessante como o tempo passa e você já não quer mais estar com “os legais”, mas estar com aqueles que você gosta e gostam de você. A gente sempre acha nosso grupo, nosso conforto. Vamos perdendo a vergonha de sentir vergonha de tudo. E são justamente esses casos de vergonha que viram as melhores histórias pra contar. Hoje já sei que “bonzinho” que não é a única qualidade suficiente pra reconhecer numa pessoa um amigo, mas é uma qualidade necessária para que ele o seja.
Aprendi a dizer “não”. Aprendi a não mais comprar uma roupa pequena esperando perder peso. Aprendi que ao almoçar com alguém da moda eu não deveria usar minha roupa mais “interessante”, e sim, preto. É OK se você não gosta de jazz. Ou sertanejo. A gente aprende que não dá pra agradar a todo mundo e que é mais fácil encontrar quem nos acompanha pelas coisas que a gente realmente gosta e é.
A gente continua, ano após ano, colocando objetivos pra nossa vida mesmo que saibamos que não vamos cumpri-los. Talvez por isso eu só coloque mesmo um: ser mais simples. Acho que tenho conseguido. Simplificar a vida me traz das maiores alegrias. E a gente vai deixando pra trás aqueles dramas e delírios da juventude. Simplificar também significa intensidade. E acho que é por isso mesmo que cada minuto vivido pra mim tem sido mais intenso, mais bonito. Parece que algumas ruguinhas vão chegando, os sentimentos se afloram mais e a gente vai sentindo que o tempo vem pra todo mundo e a gente sente ainda mais vontade de aproveitar esse tempo que ainda vem.
Tentei nesses anos registrar coisas incríveis que pessoas igualmente incríveis falaram. Continuei a rir de mim. Sempre. É um talento que pretendo manter. Refletir muito. Aprender muito. E também continuar mudando de ideia, o quanto for necessário. Encerro mais um ciclo da vida tendo a certeza que tenho muito mais pra aprender. Talvez essa não seja a última carta que te escrevo. Quero que saiba que continuarei sempre aqui. Pra dar abraços apertados de espremer até sair caldinho. Pra contar histórias sempre cheias de sentimentos. Pra te escrever receitas no canto do caderno rabiscado. Pra lembrar sempre que a vida pode ser ainda mais leve. E que sempre é tempo de ir ver o mundo com os próprios olhos. Com os olhos do entendimento. E também com os olhos do coração. É preciso sentir a distância, mesmo que seja pra sentir esse sentimento tão cálido e tão apertado que é a saudade. É preciso também sentir o desabrigo, porque talvez só assim a gente reconheça o conforto que deixamos pra trás.
Um abraço emocionado de histórias bem vividas.
Do seu sempre amigo,
Gui
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