carta amarela #126 – conte comigo

carta amarela #126 – conte comigo

Belo Horizonte, 20 de janeiro de 2016

Queridos amigos,

Era o último dia dela em Paris. Na noite anterior seus amigos tiveram uma briga enorme e ela preferiu não bater na porta do quarto deles. Não queria passar seu último dia sozinha. Resolveu então chamar um amigo de amigos que tinha conhecido três dias antes para passear com ela. Ele não conhecia o Jardim de Luxembourg e ela disse que ele precisava conhecer. Passaram em um supermercado, compraram algumas coisas para comer e beber e rumaram ao jardim. Sentaram-se nas cadeiras verdes que rodeiam o canteiro de flores central de lá. Começaram a conversar sobre a vida. Mal se conheciam mas de alguma forma confiavam um no outro como amigos de infância. Passaram horas a falar, falar, falar. Pouco depois ela pegou um avião e foi embora para o Brasil. Ele ficou. Se transformaram em grandes amigos mesmo com as distâncias que costumam intercalar essa amizade. Aquele dia mudou a vida deles de alguma forma. Ele se sentou inúmeras vezes numa daquelas cadeiras verdes depois desse dia. Em todas as vezes ele pensou com carinho naquele dia.

Me peguei hoje lembrando dessa história. Sentado aqui da cama enquanto o mundo cai em água lá fora. Da minha janela eu ouço a chuva bater forte. Dias a fio. Por vezes olho e vejo guarda chuvas coloridos riscarem o mundo cinza, galhos de árvores bem verdes balançarem fortemente com o vento e a vida parecer levemente devagar. Não faz muito tempo que aprendi a amar todas as estações. Saber que dias de chuva vem pra me deixar mais observador. Que dias extremamente quentes podem me deixar de mau humor mas que uma hora uma brisa vem refrescar. Que dias frios pedem abrigo.

Abrigo. A gente fala com tanto entusiasmo do amor. É nos amigos que encontrei abrigo. É um ponto de estabilidade em meio a tanto que se passa no mundo. Coleciono amores: algumas cartas, alguns livros, alguns amigos, até uma plantinha. Ter afetos é também ter compromissos. A gente cuida um do outro. A gente quer ajudar nas dificuldades daqueles queridos e também quer ter isso quando a gente precisa. É bom dividir. É bom se sentir parte de algo maior. Todo mundo vive seus invernos. Mas os invernos, assim como todas as outras estações, também é passageiro. Assim também como as felicidades e as tristezas.

Quem fica. Quem faz parte. Uma amizade precisa ser composta por confiança, por respeito, por simpatia. Esses laços, esses afetos perpetuam aquele amor verdadeiramente sentido. É uma fidelidade muito maior e muito mais digna do que aquela que as pessoas pregam de exclusividade em relações ciumentas. Contar com alguém é sentir aquele abraço mais caloroso, como aquele solzinho gostoso que aquece no inverno. Faz a vida ser mais gostosa.

É bom também se perder pela vida quando se sabe qual a direção certa dela. Os erros fazem parte. Os sofrimentos também. Os invernos vem e vão. Desde que a gente sempre tenha um calorzinho pra manter a gente ali, vivo. Nesse fim de semana me vi recriando o verão em dias tão cinzas. Nos presentes que fui ganhando nesses dias: o abraço de um amigo que mora longe e veio visitar; um pedido inusitado milhas distantes; o quentinho de ver um amigo que passou por momentos tristes finalmente vendo as coisas darem certo; na cumplicidade dos amigos cantando juntos na última festa; num carinho expresso somente com o olhar; nessa vida que pode ser grande se a gente quiser.

Um abraço quentinho, desses que dizem nas entrelinhas: conte comigo.

Gui

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  • Faby diz:

    Sabe, Gui, compartilho desse sentimento de amizade. Para mim tem que trazer esse aconchego da confiança, do “conte comigo”, independente da distância e da constância do encontro…o problema é que me decepcionei com aqueles que eu menos esperava. Depositar seus melhores sentimentos em uma relação de amizade e vê-la sumindo, esvaindo-se sem motivo aparente. Dói. Há tempos não sinto esse quentinho do abraço ou de uma cartinha inusitada de longe. Será que a gente também erra ao escolher os amigos e ignora as melhores apostas?

    • gpoulain gpoulain diz:

      ei Faby. já tive casos muito ruins com amizade também, mas com o tempo a gente vai aprendendo a identificar melhor, selecionar melhor. e vai ficando uma vida mais gostosa. a gente erra às vezes igual a gente erra em tudo na vida também, mas são nos erros que a gente vai aprendendo a acertar também. amizade tem convivência, igual qualquer relacionamento, seja amoroso ou de trabalho, então a gente passa umas dificuldades também. aos poucos a gente vai acertando. um abraço!

  • diz:

    “Ter afetos é também ter compromissos. A gente cuida um do outro.” … Que coisa mais linda!!!!!

  • Patrícia diz:

    Ah, você me encanta! Quanta coisa que vc diz que eu penso: “poderia ter dito isso”. Talvez não com tanta beleza, é verdade… Adoro te ler!

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