carta amarela #121 – janela aberta

carta amarela #121 – janela aberta

Belo Horizonte, 9 de novembro de 2015

Queridos amigos,

Faz algum tempo que resolvi deixar o passado pra lá, quieto. Um passado mais distante. Mas tem coisas a gente não tem muito controle. Quando a gente abre as janelas, todas, o vento vem e traz tudo aquilo que a gente talvez não esperava. Mas é aí também que a gente renova o fôlego.

Eu fui o menino que permitiu que comprassem todas as balas da padaria. Que beijassem meu primeiro beijo. Que apontassem meu lápis até que só me sobrasse o cotoco. Que ditassem o que eu deveria fazer, escrever, pensar, aceitar. Comprei muitas ilusões, criei outras mais e nada fiz. Nunca fazia muito. Eu era o menino do olhar baixo, das mãos entrelaçadas, das pernas trêmulas, da boca travada. Eu que permiti. Ao mesmo tempo que é doloroso encarar algumas coisas de dentro da gente é importante pra ter mais consciência de quem quero ser. Do que quero aceitar, do que quero fazer. Aprendi a ser o homem do olhar fixo, das mãos abertas, do coração limpo. Que entendeu que a vida é assim mesmo, pintada por várias tintas misturadas, machucada por desencontros, incontrolável, faminta, escorregadia e incrível.

Vivo pra tomar sorvete até doer a testa. Pra chegar no topo de um edifício alto e sentir o frio na espinha. Pra abraçar meus pais e não esquecer o cheiro deles nunca mais. Pra me sujar de tinta. Pra jogar quantos desenhos no lixo forem necessários se eu achar que ainda não está bom. Pra escrever, reescrever, copiar e colar os trechos bons do caminho. Pra continuar tentando fazer bolo em algumas formas que não o deixam crescer direito. Nem sempre a gente tem o forno que quer, a batedeira mais potente. Mas nem por isso eu vou deixar de fazer aquilo que me faz abrir sorrisos. Coleciono tudo o que pego de bonito. Na memória. Não preciso de mais nada que encha meus armários de tralhas.

Da mesma janela aberta eu olhei pro céu. É dela também que eu vejo o mundo. Que eu lembro que meu coração não tem fronteiras, nem bandeira. Meu alimento é a força em superar o que foi surpreendido, em contrariar as expectativas e fazer tudo diferente. Hoje sou forte o bastante para constatar que não dei conta de algumas coisas. E é agora que, nem antes nem depois, a minha força vai vir ainda mais latente, mais intensa, mais enlouquecedora, mais redentora. Porque encontrei a força mais bonita: a que se parece fraca mesmo quando, na verdade, é a maior de todas as outras.

Um abraço, olhando pra esse mesmo céu que está acima de todos nós.

Gui

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