carta amarela #117 – ser homem, ser gay, ser humano
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Belo Horizonte, 25 de setembro de 2015
“The problem with gender is that it prescribes how we should be, rather than recognizing who we are.” (o problema do gênero é que ele prescreve como devemos ser ao invés de reconhecer quem somos). Passei o dia de ontem pensando nessa frase da Chimamanda Ngozi Adichie, de um discurso dela que ficou mais famoso pela parte feminista que Beyoncé colocou em sua música Flawless. É que ontem me bateu na cabeça uma notícia com o seguinte título: Comissão aprova definição de família como união entre homem e mulher.
Quando eu nasci o médico logo anunciou: é homem! Definiu-se a partir daí o que eu teria que ser pro resto da vida. Desse fato, definiu-se que eu tinha que brincar de carrinho. Que eu tinha que jogar futebol. Que eu não podia gostar de rosa. Que eu não podia usar vestidos ou saltos. Que eu teria que me casar com uma mulher, mas que eu poderia pegar quantas eu quisesse antes disso. Cresci com isso na cabeça, e nem foi por imposição dos meus pais. Quando completei 30 anos abri a carta que eu havia escrito aos 15. Nela eu esperava que meu eu de 30 anos fosse tudo o que a sociedade esperava que eu fosse: casado com uma mulher, bem sucedido numa profissão, com casa, carro. Mas a frase que mais me marcou foi: “Espero que aos 30 eu saiba ser livre”.
Não faz muitos anos que comecei a perceber que não faz sentido ser as coisas que querem que eu seja, que não faz sentido podar todas as vontades e as minhas formas de expressão por um sistema que me obriga a abrir mão do que quero ser para poder sustentar um modelo de vida que nem é exatamente o meu modelo. De alguma forma somos enquadrados o tempo inteiro e somos obrigados a engolir a forma de vida que as pessoas querem para a gente.
Olhar pra si mesmo deveria ser um desses hábitos que a gente aprende desde bem pequenino. Sabe? Como aprender que é preciso lavar as mãos antes de comer ou de escovar os dentes depois das refeições.
Olhar para dentro é algo doloroso. Não é fácil encarar as verdades sobre você mesmo e descobrir que mal se conhece na realidade. Vivemos nos autoafirmando, né? Colocando a selfie no instagram pra dizer “Eu sou saudável, corro todas as manhãs e vivo uma vida tranquila” ou “Sou bom e honesto, pago todos os meus impostos e contas em dia, leio dois livros por mês”. Mas e o que você tem lá no fundo? Cadê? Esses mesmos preconceitos que você nasceu sendo colocados como verdades. Até que ponto você enumera seus valores, até onde você vai pra realizar metas? Pra que você acorda todas as manhãs?
Eu quero ainda formar uma família. E adoraria que ela pudesse ter todos os direitos que as outras famílias tem. Acredito que o mundo pode ser mais verdadeiro. Mais do que ser livre, acredito num mundo em que a gente liberte as pessoas. Sem medos. Somos todos iguais na imperfeição. É preciso ter coragem. Coragem de ser essa pessoa que você realmente é. Eu não tenho vergonha nenhuma de ser quem sou. Cresci sabendo que o amor é muito maior que tudo. Que nele não cabe gênero. Que nele não cabe cor. Que nele não cabe, principalmente, a exclusão. Encare seus dias com um olhar mais generoso. Olhe para si mesmo agora e responda: pra que você acorda todos os dias?
Imagino que não seja pra regar flores mortas.
Um abraço de alguém que mais do que ser homem ou ser gay, é um ser humano.
Gui
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