carta amarela #105 – o pensamento mágico

carta amarela #105 – o pensamento mágico

Itabirito, 1 de março de 2013

Queridos amigos,

Lembro-me quando, depois de muito tempo querendo, resolvi comprar uma cachorrinha. Uma yorkshire. Decidi colocar um nome fácil, simples e fofo: Lola. Fui buscar Lola em Sabará e ela veio: uma coisinha minúscula, de dois meses de vida, toda tremendo de medo. Segurei ela em meu colo e sentei no carro. O medo era tanto que ela fez xixi em meu colo. Lola não desagarrou de mim. Eu ia assistir TV ela estava lá, eu ia cozinhar, ela estava no meu pé. Toda pititinha. Aí que resolvi ir pra casa dos meus pais com ela. Havia 15 dias que ela estava comigo. Ela deu uma voltinha na grama, não sei o que fez, mas voltou vomitando. Lola faleceu na mesma hora. Não sei explicar a falta que ali me acometeu, mas chorei compulsivamente. Até hoje não sei explicar o quanto amei e o quanto foi importante pra minha vida aquela bolinha de pelo que grudou em mim por duas semanas e se foi.

Passou um tempo, quis outra yorkshire. Acabei dando o mesmo nome, nunca soube bem o porque. Acho interessante observar essa tempestade de sentimentos que somos, e como eles por muitas vezes comandam nossa vida. As pessoas se atraem por razões que não sei explicar, se juntam e deixam de querer alguém muitas vezes por razões que a gente não sabe mesmo explicar. Uma relação parece ótima. Até que o outro te responde uma simples coisinha de forma ríspida e seu dia fica todo azedo depois disso. E aí conversa, discute, fala que vai mudar pra meia hora depois se contradizer de alguma forma. A gente despeja sobre os outros nossas vontades, necessidades, e também nossos medos. É muito fácil a gente entrar nessa tempestade de sentimentos e pensamentos ruins. Quanta gente não toma decisões estúpidas no meio de um furacão emocional por pura insegurança? Quanta gente por aí não quer vasculhar o facebook ou e-mail do namorado ou namorada por insegurança de achar que ele ou ela estão traindo? E nisso se acham no direito de invadir algo tão pessoal do outro, assim, num turbilhão desses sentimentos de insegurança. É difícil achar o equilíbrio entre a razão e a emoção. Os laços racionais são frágeis, os emocionais não. Deve existir ali uma compreensão afetiva, em que os sentimentos conversam e as trocas racionais acontecem com muito mais facilidade.

E foi no meio de uma época em que ainda penso muito no fim de um relacionamento que comecei a ler, semana passada, O ano do pensamento mágico, de Joan Didion. Ela conta da morte do seu marido e do ano que se sucedeu a isso. Ao pensamento mágico que ela se agarrou pra saber como lidar com a perda. Comecei a ler após ouvir uma frase desse livro da boca de Meryl Streep no Oscar antes de apresentar o in memorian: “Falta-nos uma única pessoa e o mundo inteiro fica vazio”.

A gente nunca está realmente preparado pra quando vem o amor ou a morte. Ou mesmo o fim de uma relação. Mas a gente pode sim ser dono desses sentimentos e pensamentos que trazem equilíbrio pra vida em relação e tranquilidade quando algo morre ou chega ao fim. É uma atenção constante no dia a dia, é o dosar bem as coisas com o coração e com a razão. Eu sou a pessoa que sempre correu da razão, mas ela é essencial pra trazer a calma. Aprender a lidar com alguma ausência, qualquer que seja, é parte da vida.

Começa a anoitecer e eu estou sereno, sereno. Vim dormir na casa dos meus pais. O sol vai caindo por trás da serra. Eu sentado no banco da varanda, puxando uma coberta porque está começando a esfriar nas noites aqui. Computador no colo, um copo de água ao lado. O sol já se pôs, e a escuridão tomou conta de tudo ao meu redor. A única luz vem da tela do computador. Me despeço aqui, por hoje. Minha mãe me chama pra jantar, e depois quero me entregar às palavras de Joan Didion e talvez quem sabe dormir cedo essa noite. Vou me enrolar nas cobertas, respirar fundo. E continuar sereno.

Um abraço reconfortado pensando na Lola, aquela bolinha de pelo que me fez rir e chorar. E olhando pra segunda Lola, aqui do meu lado há 8 anos, muito mais ranzinza que a primeira, mas não menos carinhosa e amada.

Gui

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  • Mariana D. diz:

    Tive que parar de ler, respirar, concentrar pra não chorar aqui na minha mesa de trabalho, para depois terminar de ler o texto. Engasguei no primeiro parágrafo. Passei por isso. Meu primeiro cachorrinho, o Bily. Um vira lata fofo e que ganhou meu coração nos primeiros dias. Depois de mais ou menos 2 semanas com ele, fui passar um final de semana na casa de praia de uma amiga e quando eu voltei, ele já não estava mais. Morreu afogado na piscina de casa. Eu era tão novinha e aquilo me marcou tanto. Lembro da minha vó me consolando dizendo “nada como um dia após o outro”. Não entendi muito bem o que ela quis dizer na hora, mas hoje levo essas palavras pra minha vida. E deu..antes que eu chore aqui! hehe Abraço, querido!

  • Taís diz:

    Você é incrível! Espero que se lembre disso regularmente,hahaha

  • Simone diz:

    “Falta-nos uma única pessoa e o mundo inteiro fica vazio”. Como é real essa frase, estou em momento de luto com o fim de um relacionamento de 6 anos, é como se eu não soubesse mais ser eu sozinha. É a primeira vez que escrevo um comentário, mas esse texto veio em uma hora que inundou minha alma de sorrisos…Adoro o seu trabalho.

    • gpoulain gpoulain diz:

      oi Simone, entendo bem como é essa coisa de se sentir muito sozinho pós fim de relacionamento. a gente tem que aprender de algum jeito deixar a coisa ir… obrigado pelo comentário, fico feliz que goste do meu trabalho. um abraço!

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