acusados

acusados

Foi tanta notícia ruim nas últimas semanas que pensei de verdade em escrever sobre um filme leve, escapista, divertido. Mas o caso da menina estuprada por mais de trinta homens no Rio de Janeiro – e todas as consequências até agora, a polícia a princípio usando o termo “suspeita de abuso”, as pessoas dizendo que a vítima mereceu – me fez lembrar de um filme que vi pela primeira vez há uns meses, e desde então segue me assombrando.

Acusados é famoso por ter sido o filme que rendeu o primeiro Oscar a Jodie Foster. E confesso que, quando assisti, esperava uma grande atuação em um filme apenas ok, desses melodramáticos feitos pra TV. Que pedrada – Acusados é forte. Como tem que ser.

O filme já começa tenso, com Sarah (Foster), roupas rasgadas e claramente vítima de abuso, correndo de um bar para a rua e gritando por socorro. No hospital, ficamos sabendo que ela foi abusada por vários homens dentro do bar, enquanto uma pequena multidão aplaudia e incentivava o fato. A partir daí, Sarah passa por todo o calvário enfrentado por boa parte das vítimas de estupro: olhares desconfiados de profissionais que deveriam ajudá-la, perguntas sobre o que ela estava vestindo quando foi estuprada. E ela, que já não era vista por ninguém como exemplo (garçonete, morando num trailer; a personificação do termo white trash), tem que lidar com a possibilidade de que os criminosos saiam livres. Porque Sarah estava usando roupas curtas, estava bebendo e, antes de o crime acontecer, chegou a flertar com um dos homens que a estupraram.

As mesmas coisas que andam dizendo sobre a adolescente no Rio de Janeiro, não? Frequentava bailes funk. Usava drogas. Estava envolvida com marginais. Pois Acusados não coloca Sarah como uma arrependida que se culpa pelo ocorrido. Dizendo a verdade sobre a noite do crime, ela não ajuda seu próprio caso, nas palavras da advogada encarregada (Kelly McGillis). A própria advogada não acredita que Sarah possa ser uma vítima capaz de convencer os jurados do que ocorreu. Mas após uma crise de consciência, ela decide levar a julgamento também os homens que aplaudiram e incentivaram o crime.

Acusados é um filme difícil de assistir. Desde o início sabemos que Sarah foi abusada; bêbada ou não, roupas curtas ou não, nada muda o fato de que a primeira vez em que a vemos, ela está desesperada fugindo do local onde sofreu o estupro. Durante a maior parte do filme, o crime é descrito pelas pessoas que estavam presentes, mas nós não vemos o ocorrido; poderia ser um daqueles casos em que o que a gente imagina é pior do que o que aconteceu. Mas numa jogada fantástica, o filme deixa para o terço final a sequência aterrorizante. Quando Sarah entra naquele bar, com raiva do namorado, e começa a flertar com um cliente, dá vontade de parar o filme, falar com ela “volta pra casa!”, porque sabemos o quão terrível é o que está para acontecer.

Claro que é diferente ver uma cena em um filme – de forma alguma eu quero ver um vídeo filmado pelos criminosos do Rio. E quando fico sabendo que algumas das reações sobre o crime no Rio são do gênero “ela mereceu”, fico pensando se o mundo enlouqueceu de vez. Mas temos um filme como Acusados, feito há quase trinta anos, mostrando que o mundo já não anda bem há tempos. A esperança de dias melhores está na comoção causada pelo caso, no questionamento do machismo, nos pedidos do fim da cultura do estupro. Que essas vozes sejam muito mais altas e fortes do que as vozes dos que aplaudem e incentivam a violência.

theaccused02

0 Flares Twitter 0 Facebook 0 0 Flares ×

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Pode usar estas etiquetas HTML e atributos: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>